* Nº 0262 - NAS RUAS DE AREIA - SÉRIE: CRÔNICAS DE MAYANDEUA
Ouso esperar que meus passos, talvez inadvertidos, não tenham perturbado a serenidade de tuas sementes alvas, Mayandeua. Cada grão, testemunha silenciosa da tua essência. As pedrinhas teimosas, incrustadas nas sandálias que já não uso, ressoam como historietas do tempo da minha juventude, um tempo descalço e livre.
Nas ruas e areais, outrora palcos de meus sonhos de querer ser das águas, repousam segredos esparsos, entregues ao tempo. Escorreram como areia fina entre os dedos, diluindo-se nas dunas da existência, em geografias que, aos olhos desatentos, parecem desoladas, mas que pulsam com uma vida oculta.
Em teu leito imaculado, Mayandeua, depositei fragmentos de sonhos interrompidos, esboços de pontes que a vida não me permitiu concluir. Nas artérias arenosas que serpenteiam tuas terras brancas, usei códigos sussurrados, melodias perdidas em mãos que não souberam decifrá-las. E como esculturas, minhas memórias de Camboinha, outrora vibrantes, foram desfeitas pelo sopro implacável do vento sendo um artista solitário em busca de uma plateia.
Eis-me aqui, trilhando os caminhos longínquos destas paragens, onde o vento e o mar ditam o ritmo da vida. Nas ruas litorâneas, vagueamos ao sabor das brisas, em comunhão com as reações lunares, com os olhos noturnos que cintilam sobre as ondas. Cores vibrantes e marés apaixonadas incendeiam os destinos daqueles que buscam refúgio em teu abraço, Mayandeua.
E pelas ruas prosseguimos, na vila acolhedora, na estrada sinuosa, no mundo vasto, no planeta Maya que nos une. Mayandeua, guardiã de segredos, conhece os caminhos que nos guiam por Nazaré, Camboinha, Mocooca, Fortalezinha ou Algodoal. Caminhamos por tuas vielas sem jamais nos cansarmos, apenas a sede, companheira constante, nos invade os poros, lembrando-nos que somos mortais.
Em meio a estas paisagens , ansiamos pelos elementos primordiais: o vento que sussurra segredos, o tempo que molda a paisagem. E assim, Mayandeua, peregrinamos por entre pedras soltas, em ruas abstratas onde a realidade se confunde com a fantasia, onde a paisagem se reinventa a cada instante, especialmente quando setembro tinge o céu com cores de um azul que só há por aqui.
E assim, Mayandeua, caminhamos por ti e para ti, em busca da essência que reside em tuas areias, da melodia que emana de tuas ondas, da magia que emana de tuas terras. Uma sinfonia de passos descalços, em harmonia com o teu espírito eterno de uma grande Mãe.
- Assim narrou Primolius em uma antiga canção...
FIM
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Projeto Literário e Musical Primolius Nº 0262