* Nº 0193 - JANELA PARA O MAR - SÉRIE: CRÔNICAS DE MAYANDEUA

A janela se abriu como um convite ao infinito. Lá fora, o mar de Mayandeua cantava sua melodia antiga, e suas dunas douradas se estendiam, guardiãs de segredos. O vento, que parecia soprar do próprio planeta Maya, carregado de sal e histórias, tentava entrar com urgência, como se quisesse contar algo esquecido, trazendo ecos de seus elementos imaginários, seus cantos e encantos místicos. Era uma manhã simples, mas com a complexidade de quem observa o tempo dialogar com a natureza.

A brisa veio primeiro, suave, mas cheia de intenções. Ela trouxe consigo sussurros do oceano, um sopro que parecia vir daquele mundo encantado, calmarias que falavam direto ao coração. Parecia querer aquietar os pensamentos que, muitas vezes, se perdem no redemoinho da rotina. A luz do sol, agora desprendida das águas, iluminava os cantos da casa, redesenhando as sombras com a delicadeza de um artista que conhece a importância do silêncio.

Dentro, entre as paredes desgastadas pelo tempo, pequenos seres viviam suas jornadas. Maruins, mutucas, carapanãs – aqueles insetos insistentes, que pareciam simbolizar as inquietações do mundo. Eram seletos em seus movimentos, padronizados e frios, tão parecidos com os homens das velhas cidades, que construíram muros altos demais para ouvir o mar ou os sussurros que o vento trazia de longe.

A janela, no entanto, não se prendia a esses detalhes. Ela era um portal para o desconhecido, um olho que contemplava tanto o visível quanto o imaginado, talvez vislumbrando os contornos daquele planeta longínquo. Do outro lado, o mar brincava de esconder segredos, como uma criança travessa que sabe onde guardou o tesouro. Suas ondas varriam a costa, apagando rastros e histórias, enquanto, nos lugares distantes que não podíamos ver, outras vozes ecoavam entre as palhas, como canções trazidas pelos ventos etéreos.

Essas vozes não eram como as nossas. Eram memórias transformadas em murmúrios, os cantos e encantos de outrora, sons de tempos antigos, de gentes que vieram antes e que agora só o mar poderia lembrar. Aqui, as vozes tornaram-se centenárias, quase invisíveis. Apenas o oceano as guardava, testemunha fiel de um verbo que parecia esquecido no cotidiano apressado: viver.

E viver, nesse contexto de Mayandeua, era mais que respirar. Era ouvir o mar, abrir a janela e deixar o vento entrar. Era perceber que cada sussurro da brisa, cada onda que se quebra na areia esculpida pelas dunas, cada raio de sol que emerge das águas trazia consigo uma mensagem: a de que o tempo passa, mas a vida, tal qual o mar, sempre encontra uma maneira de seguir.

Ao fechar os olhos, senti o cheiro do sal, o calor do sol, o murmúrio do vento carregando os segredos daquele mundo. E, por um instante, não era apenas uma janela aberta; era um mundo inteiro, permeado pelos mistérios de Maya, esperando para ser vivido.


FIM

Copyright de Britto, 2020 – Pocket Zine

Projeto Musical e Literário Primolius N°0193

Mensagens populares