* Nº 0193 - O SACI EM NAZARÉ - SÉRIE: CONTOS FANTÁSTICOS DE MAYANDEUA


Uma agitação incomum percorreu as raízes aéreas do manguezal. Não era o movimento usual das marés ou a correria dos caranguejos. Uma energia sutil, como uma nota dissonante em uma melodia familiar, perturbava o equilíbrio. O Saci do Mangue, sentindo a perturbação, cessou seu assobio matinal. Algo estava diferente. Não demorou para que a causa do estranho pressentimento se revelasse. Uma criatura luminosa, com escamas iridescentes que capturavam os raios de sol filtrados pelas folhas, surgiu nas águas turvas. Era uma mensageira da Sereia Princesa, seu rosto delicado marcado por uma profunda tristeza. Sua voz, um murmúrio aquático, alcançou os ouvidos atentos do Saci: um anel de valor inestimável, imbuído de magia ancestral, havia se perdido.

Segundo a aflita mensageira, a própria princesa havia sentido a energia do anel irradiando de algum ponto no interior da ilha, precisamente na Trilha Encantada, não muito longe da pacata vila de Nazaré. O Saci, curioso e sentindo a importância do objeto perdido, prontificou-se a ajudar.

Com um salto ágil, sua única perna impulsionando-o pela lama e pelas raízes, o Saci do Mangue deixou a familiar umidade em direção à trilha. Os pequenos habitantes da mata, iguanas, macacos e pássaros, cochichavam em suas passagens apressadas. Sim, eles se lembravam de um brilho incomum na trilha há alguns dias. E sussurravam sobre uma figura sombria, uma feiticeira conhecida por suas artes obscuras, que havia encontrado o objeto brilhante.

Os bichinhos da trilha guiaram o Saci até um ponto específico: um igarapé de águas incrivelmente cristalinas que  havia na mata. "Ela jogou lá", narrou um pequeno beija-flor, indicando com o bico a superfície lisa da água. "A feiticeira... ela não gostava do brilho."

O Saci observou o igarapé. A água parecia calma, mas havia algo de diferente ali, uma aura sutil que ele podia sentir com sua magia ancestral. Sem hesitar, mergulhou nas águas frescas, revirando o leito com suas mãos ágeis. Encontrou seixos coloridos, folhas secas e pequenos peixes assustados, mas do anel, nem sinal. Emergindo do igarapé, encharcado mas persistente, o Saci franziu o cenho. O anel não estava ali. Mas ele podia sentir, mesmo sem vê-lo, uma leve pulsação mágica emanando das profundezas da água. Era como se a magia do anel estivesse adormecida, abafada pelas águas encantadas do igarapé.

Com um último olhar para o local onde o anel deveria estar, o Saci do Mangue sacudiu a água de seu gorro vermelho. O anel estava ali, de alguma forma, mas seu brilho vibrante havia desaparecido, substituído por uma opacidade intrigante. "Este anel...", murmurou para si mesmo, sentindo a superfície fria e inerte do metal invisível em suas mãos imaginárias, "...está sem vida. Sua magia está selada."

A resposta para restaurar o brilho do anel, ele pressentiu, não estava mais naquele mundo. Uma nova magia seria necessária, uma energia que só poderia ser alcançada através dos portais que ligavam o manguezal a outros reinos, a outras dimensões onde a magia pulsava em sua forma mais pura.

O Saci do Mangue, guardião do manguezal e agora inesperado detetive de um tesouro marinho, sabia que sua jornada estava apenas começando. O mistério do anel perdido e a chave para restaurar seu poder o chamavam para além dos limites da ilha, rumo a um futuro incerto e cheio de novas aventuras.

E assim o Saci do Mangue narrou esta história para Primolius....


FIM

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Projeto Musical e Literário Primolius N°0193


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