* Nº 0186 - A MAYA SECRETA : SÉRIE: CONTOS FANTÁSTICOS DE MAYANDEUA
Mais adiante, a surpresa se intensificou. Placas estranhas emergiam do solo rochoso, ostentando símbolos e caracteres que desafiavam qualquer alfabeto conhecido por ela. Eram inscrições enigmáticas de um saber perdido ou advertências de um caminho desconhecido. Intuitivamente, ela sentiu que essas placas apontavam em uma única direção: para um horizonte onde o céu parecia se fundir com um mar de um verde incomum, uma tonalidade vibrante e profunda que nunca havia presenciado antes. Um mar que parecia palpitar com uma vida secreta.
Uma sensação inquietante começou a se instalar em seu coração. Yvelis percebeu que havia se distanciado demais da familiar costa de Mayandeua. Uma ponta de medo a atingiu, a consciência de estar perdida em um lugar estranho e silencioso. A urgência de retornar ao ponto de partida a impulsionou a refazer seus passos, mas a luz do dia parecia declinar rapidamente. Uma sombra densa começava a engolir as cores das pedras, anunciando a chegada iminente da noite.
O temor cresceu à medida que a escuridão avançava, transformando o ambiente em um palco de sombras alongadas e formas indistintas. Exausta e apreensiva, a moça buscou refúgio sob a copa frondosa de um cajueiro solitário. O aroma adocicado das flores da árvore ofereceu um leve consolo enquanto o cansaço a vencia. Em breve, o sono a envolveu em seus braços. Em seu sono, a jornada a levou ao encontro do mar verde. Sem hesitar, adentrou as águas calmas, sentindo uma energia sutil envolver seu corpo. À medida que avançava, uma luz intensa emanou das profundezas, tomando a forma de um portal líquido, rodopiando em tons de esmeralda. Do seu interior, uma melodia suave alcançou seus ouvidos, uma canção que parecia vibrar em sintonia com seu próprio ser.
Hesitante, aproximou-se do portal. No instante em que sua mão roçou a superfície luminosa, uma figura emergiu das águas cintilantes. Alto e esguio, envolto em vestes fluidas de cores , o ser irradiava uma aura de sabedoria e mistério. Seus olhos, de um brilho intenso e penetrante, fixaram-se na moça com uma expressão que parecia carregar séculos de conhecimento. "Saudações, Yvelis," a voz do ser ecoou em sua mente, clara e melodiosa, dispensando a necessidade de palavras audíveis. "Eu sou Ydius, um viajante do reino de Maya. Observo seus passos há algum tempo. Sua curiosidade e a pureza de seu coração a trouxeram até este limiar."
Yvelis, paralisada pela surpresa e pela presença imponente de Ydius, apenas conseguiu assentir, um turbilhão de perguntas agitando sua mente. "As pedras coloridas, as placas indecifráveis, o mar verde… tudo isso foi um chamado, um caminho sutilmente traçado para guiá-la até mim," continuou Ydius, com um leve sorriso nos lábios finos. "O reino de Maya tem observado a sua jornada na Terra, e encontramos em você uma ressonância especial, uma faísca de entendimento que poucos possuem."
Antes que ela pudesse formular qualquer pergunta, Ydius estendeu uma mão translúcida em sua direção. "Há muito para você ver e aprender além do véu que separa os mundos. O tempo na Terra é apenas uma sombra da vastidão da existência. Venha comigo. Permita-se explorar as maravilhas do reino de Maya."
Um misto de medo e excitação tomou conta da moça. O desconhecido a aterrorizava, mas a promessa de um reino mágico e a luz cativante de Ydius exerciam um fascínio irresistível. Sem conseguir resistir à força magnética de seu olhar, Yvelis colocou sua mão na de Ydius. No instante do toque, uma onda de energia percorreu seu corpo, e a paisagem ao redor começou a se distorcer, as cores se intensificando e as formas se metamorfoseando. O portal líquido se expandiu, engolindo-os em luz e som. Yvelis sentiu-se levada através de um túnel de energias vibrantes, paisagens alienígenas e constelações desconhecidas dançando ao seu redor. A sensação de estar perdida desapareceu, substituída por uma confiança inexplicável na figura de Ydius, que a guiava através do caos aparente com uma serenidade inabalável.
Quando a vertigem cessou, Yvelis se encontrou em um lugar de beleza etérea que superava qualquer imaginação terrena. Cidades de cristal flutuavam em céus cor de azul, rios de luz vibravam por vales verdejantes, e seres de todas as formas e tamanhos moviam-se em harmonia, irradiando uma paz profunda. "Bem-vinda ao reino de Maya, Yvelis," disse Ydius, sua voz ecoando com uma alegria contida. "Este é o lugar que você contemplou em seus sonhos, o reino que ressoava em seus pensamentos mais profundos. Sua jornada na Terra não terminou, mas agora você trilhará um novo caminho, entrelaçado com os mistérios do nosso mundo."
Yvelis olhou ao redor, maravilhada com a grandiosidade e a beleza do reino de Maya. A lembrança do cajueiro solitário em Mayandeua parecia distante, quase um sonho dentro de um sonho. Ela sabia que sua vida havia mudado para sempre, que a abdução por Ydius, o viajante do reino de Maya, a havia lançado em uma aventura cósmica muito além de sua compreensão.
No entanto, uma pergunta persistia em sua mente, um eco do medo que pairava sob a admiração: por que ela? Por que havia sido escolhida entre tantos? E quais seriam os mistérios que o reino de Maya reservava para ela? Ydius sorriu enigmaticamente, como se pudesse ler seus pensamentos. "O tempo revelará todas as coisas, Yvelis. Confie no fluxo da existência. Os caminhos de Maya são intrincados, mas aqueles que se permitem serem guiados pela luz da verdade sempre encontram seu propósito."
E assim, Yvelis, a garota da Terra, iniciou sua jornada no reino de Maya, um lugar de maravilhas inimagináveis e segredos ancestrais, conduzida por um viajante enigmático cujo olhar continha a promessa de desvendar os maiores mistérios do universo. O futuro se estendia diante dela como um livro aberto em uma língua desconhecida, cada página prenhe de possibilidades e enigmas, esperando para serem decifrados sob a luz mágica do reino de Maya.
O sol da manhã, filtrando-se pelas folhas do cajueiro, tocou o rosto de Yvelis, despertando-a de um sono carregado de visões vívidas. Seus olhos se abriram lentamente, focando nas folhas verde-escuras acima, o aroma adocicado das flores ainda pairando no ar. Por um instante, a nitidez da realidade pareceu estranha, pálida em comparação com as cores vibrantes e os sons etéreos do seu sonho.
Ela se sentou, o corpo ainda levemente dormente, e passou as mãos pelos braços, tentando dissipar a persistente sensação de uma energia diferente que a envolvera em seu descanso. O mar verde, o portal líquido, a figura imponente de Ydius e o reino cintilante de Maya... tudo parecia tão real, tão palpável, que a fronteira entre o sonho e a vigília se tornava tênue.
Olhou ao redor, para as pedras coloridas que a haviam guiado até aquele ponto, para as placas com seus símbolos indecifráveis que agora pareciam lançar olhares silenciosos sobre ela. A memória do medo da noite anterior ainda a percorria, mas sobreposta a ela havia uma nova sensação, um eco distante da promessa feita por Ydius. Será que tudo não passara de um sonho particularmente intenso, fruto do cansaço e da atmosfera misteriosa da ilha? Ou teria havido algo mais, um encontro fugaz com um reino que existia para além da sua percepção cotidiana?
Ao se levantar, uma pequena pedra, diferente de todas as outras, chamou sua atenção. Estava incrustada na base do cajueiro, brilhando com um suave verde esmeralda que parecia pulsar com uma luz interior. Era uma cor idêntica à do mar que vira em seu sonho, uma tonalidade que não pertencia à paleta de cores daquelas rochas terrestres. Yvelis pegou a pedra, sentindo um leve formigamento na ponta dos dedos. Era fria ao toque, mas irradiava uma estranha vitalidade. Em sua superfície lisa, parecia haver um padrão sutil, quase como minúsculos símbolos gravados.
Um arrepio percorreu sua espinha. O sonho, a pedra... seria possível que não fosse apenas uma fantasia? Teria Ydius realmente falado com ela? E se sim, como ela poderia entender o significado daquele encontro? Com a pequena pedra verde firmemente apertada na mão, Yvelis iniciou o caminho de volta pela trilha entre as dunas. O sol agora brilhava com mais intensidade, dissipando as sombras da noite. A paisagem familiar de Mayandeua se apresentava diante dela, mas seus olhos a viam de uma maneira diferente, como se um véu tivesse sido parcialmente levantado.
A sensação de mistério a acompanhava a cada passo. As perguntas borbulhavam em sua mente, sem encontrar respostas fáceis. Quem era Ydius? O que era o reino de Maya? E qual seria o seu papel nessa história que parecia ter apenas começado? Ao alcançar a praia e sentir a areia sob seus pés, Yvelis olhou para o horizonte, para a vasta extensão do oceano. Ele parecia o mesmo, mas agora ela se perguntava o que se escondia além da linha azul, que outros mundos poderiam existir, separados apenas por véus de percepção.
A pequena pedra verde em sua mão era a única evidência tangível de seu encontro, um lembrete constante de que algo extraordinário havia acontecido. Yvelis sabia que sua jornada em Mayandeua não havia terminado. Na verdade, parecia ter apenas encontrado um novo e intrigante ponto de partida, um mistério a ser desvendado, um caminho incerto que a chamava para explorar as fronteiras entre a realidade e os reinos além da imaginação. Ela apertou a pedra com mais força, uma determinação silenciosa florescendo em seu coração. A busca pela verdade sobre Ydius e o reino de Maya havia começado.
- Primolius assim relatou esta história em Fortalezinha...
FIM
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Projeto Musical e Literário Primolius Nº 0186