*Nº 0872 - AGYRUS E A COBRA DE DUAS CORES - SÉRIE: CONTOS FANTÁSTICOS DE MAYANDEUA

 


Agyrus, cujas rugas contavam a história de muitas estações passadas, era um guardião do conhecimento antigo, um saber transmitido de gerações. Ele sabia que a vila estava sob a proteção de uma entidade antiga e poderosa: uma velha cobra, a misteriosa guardiã do manguezal, próximo ao Furo- Velho que habitava as profundezas daquele canal, um lugar entre as pedras  que cortavam o manguezal como uma cicatriz prateada na lama. Essa cobra não era uma criatura comum; sua pele era tão negra quanto a noite mais escura, pontilhada por escamas amareladas que refletiam a luz das estrelas. Há muito tempo, ela havia feito um pacto com os primeiros habitantes da ilha, prometendo proteger aquele pedaço de terra sagrada contra qualquer força destrutiva, desde que fosse respeitada a sua morada entre os mangueiros.

Nas noites dos meses ímpares, quando a lua se ergue cheia e luminosa, as águas do Furo Velho começam a brilhar, um sinal claro de que a guardiã emergiu de seu refúgio. É nestes momentos que Agyrus, em sua solidão pensativa, observa atentamente o brilho místico que emana do canal. Ele sabe que a luz não é apenas um fenômeno natural, mas sim a manifestação da presença protetora da velha cobra. Os habitantes da vila, embora continuem suas vidas com uma certa despreocupação superficial, jamais se esquecem da misteriosa guardiã. Eles sabem que as forças da natureza, representadas pelos Encantados da ilha, não são algo com que se possa brincar. As crianças são ensinadas desde cedo a respeitar as águas e as árvores antigas, a não perturbar os locais sagrados e a manter um profundo respeito pelos segredos que a terra guarda.

Agyrus, por sua vez, mantém viva a tradição. Ele é o contador de histórias.  Ele descreve com detalhes vívidos como, em tempos de grande perigo, a cobra emerge com a fúria de uma tempestade, defendendo a ilha e seus habitantes de invasores, sejam eles homens ou forças da natureza. Assim, quando Agyrus avista aquela luz inconfundível nas águas do Furo Velho, seu coração se enche de uma mistura de reverência e gratidão. Ele sorri, em paz, ciente de que enquanto a guardiã vigiar, sua vila estará segura. E assim, a história continua, uma narrativa que se entrelaça com as raízes do manguezal, tão antiga e profunda quanto o próprio tempo, perpetuando a memória de Agyrus e da velha cobra, de duas cores, sendo uma das protetoras  daquela ilha abençoada.

- Assim foi relatado para Primolius numa conversa dentro de um Curral de Camboinha.

 

FIM

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Projeto Literário e Musical Primolius Nº 0872

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