*Nº 0815 - RAZÕES PIRATAS - SÉRIE: CRÔNICAS DE MAYANDEUA




No limiar entre o sonho e a vigília, onde o vento e o mar se entrelaçam em um ballet silencioso, encontramos o náufrago. Não é um marinheiro comum, mas um homem solitário, um asilado dos tempos modernos, cuja única companhia é a vastidão aquática que engole o horizonte. Ali, nas águas grávidas de segredos, o ar se torna cúmplice, portador das mensagens sussurradas pelo oceano.

O perdão que ele busca é apelado às mãos calejadas, mãos que já não reconhecem o toque de outro ser humano. Sincronismos de ideias pirateiam sua existência, uma vida vivida na fronteira entre o abandono e a introspecção. Sobras e lixos marítimos se tornam símbolos de uma realidade que ele não mais compreende. Na solidão do oceano, o náufrago encontra prazer em sua própria companhia, um prazer tingido de melancolia e reflexão. O vento e a água são seus amantes, suavizando os momentos de desespero e agonia. Esses elementos, tão antigos quanto o tempo, oferecem um consolo efêmero, uma promessa de alívio que nunca se concretiza completamente.

A poluição do vento empalidece as ondas, um toque cruel que revela a fragilidade do mar. O céu permanece calmo, um contraste quase irônico à turbulência interior do homem. A água, com sua brisa suave, cria bolhas de sabão que estouram com desejos infantis, lembrando-o de uma inocência perdida há muito tempo. A imaginação corre solta, pintando cenários bizarros em cores vivas, um escape temporário da dura realidade. Ao fundo, o planeta camuflado chora por calmarias, sedento por um equilíbrio que parece cada vez mais distante. O vento, sempre sincero em suas citações, traz fragmentos de pirataria e desejos não realizados, um eco das aspirações humanas que se perderam nas profundezas do mar. O náufrago e a água se encontram em um abraço faminto, cada um buscando preencher o vazio do outro.

Imerso em suas reflexões, o homem lamenta as fronteiras que a claridade do dia lhe impõe. Os oásis distantes são miragens que brincam com sua mente, e as areias do deserto marítimo devoram-se mutuamente, talvez numa dança lunar. Palavras e desejos de uma infância incompleta formam-se em sua mente, lembranças de um tempo em que a esperança ainda florescia. Os pensamentos violentos do náufrago destroem suas pegadas e imagens, enquanto a idade e a labuta corroem sua prosperidade. Ondas ferozes despertam um vento frio e destemido em seu peito, uma batalha constante entre o que foi e o que poderia ter sido.O vento surdo acalenta o rosto cansado dos homens piratas, aqueles que, como ele, se perderam nas correntes da vida. Ao longe, o lobo entorpecido uiva, um som que ecoa as incertezas e os pedidos de socorro reservados no peito do homem. Loucuras da razão, o tormento de quem já não sabe onde buscar abrigo.

Entre o vento, as águas e o náufrago, há um sorriso triste que se esconde nas areias do solo marítimo. Guardam ferozmente suas jornadas, cada um com seu destino singular e incompreensível. Apenas o vento pode entender o oculto, as dunas de razões que se formam e deformam incessantemente. Os náufragos, com olhos cheios de razões, pirateiam suas próprias sinas, navegando em mares de incerteza. E o homem, em seu quarto gelado, morre de frio, cercado por um silêncio que só a caravela de seus pensamentos pode romper.

- Primolius precisa dormir!


FIM

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Projeto Musical e Literário Primolius N° 0815

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