*Nº 0806 - GRILOS E BALEIAS NAS AVENIDAS - SÉRIE: CRÔNICAS DE MAYANDEUA


Nas esquinas da cidade, onde o aroma do café se misturava ao som dos passos apressados, uma melancolia familiar ecoava. Era ali, entre os prédios altos e calçadas gastas, que a música costumava dançar no ar, como se as próprias ruas fossem palcos para as canções da vida.

No entanto, algo mudou. As noites que antes eram embaladas por melodias serenas agora se tornaram silenciosas, como se a música tivesse se perdido nos labirintos de concreto e asfalto. Onde antes havia serenatas sob a luz das estrelas, agora reinava o vazio, um vácuo deixado pela ausência dos acordes que costumavam embalar os amores e os sonhos dos transeuntes noturnos.

E em meio a esse silêncio, o lamento distante das baleias ecoava, como um eco de solidão e saudade. Sozinhas em mares desconhecidos, elas entoavam uma canção ancestral, um canto que atravessava oceanos e alcançava as almas perdidas nas ruas da cidade.

Os violões, outrora companheiros inseparáveis dos músicos de rua, agora repousavam silenciosos, suas cordas calejadas pela paixão e pela prática agora imóveis, como testemunhas mudas de um tempo que já se foi. Os músicos, por sua vez, vagavam pelas ruas como sombras de si mesmos, perdidos em um mar de lembranças e saudades das antigas canções que costumavam dar vida às esquinas adormecidas.

O mundo ao redor continuava a girar, mas não mais ao ritmo das antigas melodias. As novas tecnologias, os aplicativos que traziam o mundo inteiro para a palma da mão, haviam silenciado as vozes das ruas, substituindo os acordes improvisados pela frieza dos algoritmos e playlists pré-fabricadas.

E assim, as velhas canções que antes ecoavam pelas ruas, entrelaçando-se com os risos e os suspiros dos amantes, agora se tornaram meras lembranças de um tempo que se desvaneceu no vento. As mãos que uma vez acariciaram as cordas do violão, produzindo melodias dissonantes que encantavam os ouvidos e aqueciam os corações, agora repousavam inertes, incapazes de evocar os mesmos sentimentos que outrora inspiraram.

Até mesmo os grilos, criaturas da noite que costumavam acompanhar os músicos com seus trilos melódicos, pareciam ter abandonado as ruas, deixando para trás um silêncio opressivo que ecoava como um lamento pela perda da magia que uma vez habitou os cantos esquecidos da cidade.

E assim, entre esquinas vazias e ruas silenciosas, o mundo mudou musicalmente, transformando-se em uma paisagem sonora desprovida da harmonia e da vitalidade que costumavam preencher cada centímetro da cidade. Restava apenas o eco das lembranças, um suspiro nostálgico pela música que um dia embalou os corações e as almas dos que ousavam perder-se nas ruas da vida.

- Enquanto nas ilhas, outras canções surgem!  


FIM

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Projeto Musical e Literário Primolius N° 0806

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