*Nº 0674 - REINO DAS MUCURAS - SÉRIE: CONTOS FANTÁSTICOS DE MAYANDEUA




Nas profundezas do mangue misterioso de Maya, onde as raízes das árvores se entrelaçam como guardiãs de segredos ancestrais e as águas escuras escondem histórias que poucos ousam contar, vive uma criatura pequena, mas de grande sabedoria: a mucura encantada chamada **Gyarane**. À primeira vista, Gyarane parecia apenas um marsupial comum, com seus olhinhos atentos e o corpo ágil, mas os que conheciam as lendas sabiam que ela era muito mais do que isso. Gyarane era a guardiã de todas as histórias que o mangue já havia presenciado, e seu papel no destino da ilha era essencial.

Diziam que Gyarane conhecia cada acontecimento, desde a criação dos primeiros manguezais até os segredos mais profundos das criaturas que habitavam as águas e as florestas de Maya. Em suas longas jornadas noturnas, enquanto se movia silenciosamente entre os troncos e raízes, Gyarane murmurava antigas histórias para aqueles que sabiam escutar. Os ventos que sopravam entre as folhas carregavam seus sussurros, e algumas almas mais sensíveis conseguiam ouvir relatos de amores perdidos, reis esquecidos e criaturas encantadas que habitavam as sombras da ilha.

Mas, entre todos os segredos que Gyarane guardava, havia um que era o mais precioso de todos: uma joia mágica, uma relíquia que um dia pertencera a uma princesa. A lenda dizia que essa princesa, em tempos antigos, governava um vasto reino na ilha. Seu nome era **Arakyn**, e ela era tão bela quanto sábia. Um dia, fascinada pelos mistérios do oceano, Arakyn fez um pacto com as águas de Maya e, em um ato de profunda magia, transformou-se em sereia, passando a residir nas profundezas do mar, reinando sobre os seres aquáticos. Mas, antes de partir para as águas eternas, Arakyn confiou a Gyarane a joia mais valiosa de seu reino: uma pedra mágica capaz de conceder grande poder a quem soubesse usá-la.

Essa joia, resplandecente como o luar sobre as águas calmas, possuía a habilidade de conectar o mundo dos humanos ao reino mágico das águas e florestas. Gyarane, sendo a guardiã, manteve-a escondida em um lugar que apenas ela conhecia, protegendo-a de todos aqueles que poderiam tentar utilizá-la para fins egoístas. Era dito que apenas a verdadeira rainha das águas, Arakyn, poderia um dia reivindicá-la de volta, mas até esse dia chegar, ela permaneceria sob a proteção da mucura.

Além de sua função como guardiã das histórias e da joia, Gyarane possuía poderes concedidos por seres ainda mais antigos: os guardiões dos portais. Esses guardiões eram entidades imortais que controlavam as passagens entre os diferentes reinos — o mundo dos humanos, o mundo encantado e o reino dos espíritos. Em um gesto de confiança, eles deram a Gyarane um dom raro: o poder de transformar qualquer animal em humano, caso ela julgasse que a criatura estava pronta para tal metamorfose. Esse poder era usado com extrema cautela, pois Gyarane sabia que a transformação de uma criatura não era apenas física, mas também espiritual.

Alguns poucos animais sortudos, ao longo das eras, foram agraciados com a forma humana, vivendo entre os mortais, mas mantendo a sabedoria e os instintos de suas vidas anteriores. Eles se tornavam figuras importantes na ilha, cuidando da harmonia entre os seres humanos e a natureza, muitas vezes sem que ninguém soubesse de sua verdadeira origem.

No entanto, havia um tempo especial no ciclo das marés que transformava a própria Gyarane. Quando chegava setembro, as marés da ilha se tornavam mais intensas, e os ventos sopravam com força, varrendo a terra e o mar. Durante essas noites, Gyarane não era apenas uma pequena mucura, mas transformava-se em uma feiticeira poderosa, uma guardiã da ilha em toda sua majestade. Com sua forma mística, ela rondava a ilha de ponta a ponta, verificando se todos os seres estavam em equilíbrio, se as histórias estavam sendo respeitadas, e se a joia de Arakyn estava segura.

Em sua forma de feiticeira, Gyarane era uma figura impressionante, com um manto feito de folhas e flores do mangue, e um cetro criado das raízes mais antigas da ilha. Ela caminhava silenciosamente, mas sua presença era sentida em cada canto de Maya. Os habitantes da ilha, que a conheciam como uma lenda, sabiam que, durante as marés de setembro, era prudente respeitar ainda mais as leis da natureza, pois Gyarane estava atenta a qualquer desvio.

Diziam que, se alguém fosse corajoso ou tolo o suficiente para confrontá-la durante suas rondas, Gyarane poderia decidir seu destino ali mesmo. Se visse bondade e respeito no coração da pessoa, poderia lhe contar uma das histórias secretas do mangue, oferecendo sabedoria e proteção. Mas, se percebesse arrogância ou desrespeito à natureza, sua punição era silenciosa e transformadora. Era capaz de transformar qualquer criatura, humano ou não, em um ser que refletisse sua verdadeira essência, seja uma árvore, um pássaro ou até uma pequena criatura do mangue.

Assim, ano após ano, Gyarane seguia suas funções, guardando as histórias, a joia da princesa Arakyn, e mantendo o equilíbrio entre os mundos. Embora a maioria dos habitantes de Maya nunca a visse em sua forma encantada, sentiam sua presença em cada maré forte, em cada vento que soprava sobre as águas escuras do mangue. Ela era mais do que uma lenda, era o coração pulsante do mistério de Maya, a pequena mucura que conhecia todas as histórias e tinha o poder de moldar destinos.


FIM

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Projeto Musical e Literário Primolius Nº 0674

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