UMA JANELA, UMA VIDA Nº 372 - CRÔNICA

 


(Direto de Mayandeua)

 Há três dias chovia na grande Belém. Bueiros e valas estavam abarrotados de cacarecos. Através da janela, Alberto, um moço de 35 anos, observava a cena. No quarto, discos estavam espalhados pelo chão e ao fundo tocavam canções do Pink Floyd, trazendo a sonoridade de uma adolescência com essências da década de 70. Para o rapaz qualquer acontecimento nos momentos de início de semana tornava-se infinito, especialmente na Avenida Almirante Barroso. Com todo aquele alvoroço de automóveis e transeuntes, ele gostaria de estar em algum igarapé para contornar o calor da segunda-feira, ou mesmo na paradisíaca Mayandeua.  

Ao admirar fixamente as cores humanas da vidraça, Alberto abrigava ao peito um travesseiro de bolinhas azuis e em suas mãos empregava uma flanela para purificar a janela com um saudoso gesto de solidão e saudade a cada movimento de limpeza. Ele morava sozinho. Há dois anos seu irmão mais novo fora morar em Montevidéu com o prenúncio de encontrar sua cara metade na República Oriental do Uruguai. Porém, na última carta, o consanguíneo encontrava-se em Cuba, onde se tornara um dançarino nos principais recantos noturnos de Havana. O cotidiano daquele paraense era voltado em relembranças de sua antiga capital. Lembrava constantemente dos tempos verdes das tardes do CAN, os periquitos e dos principais cinemas da Avenida Nazaré. Nesta época, transpirava muitos sonhos através dos uniformes do IEP que transitavam por entre as mangueiras cheias de flores e pássaros por todo o saudoso logradouro. Até hoje, ele odeia a mudança da deslocação dos transportes na avenida. Para ele, a saudosa capital não é mais a mesma devido às alterações drásticas eleitas pela modernidade belenense.

Na noite antecedente, Alberto escreveu uma carta. O cidadão não costumava escrever. Por precisão de sua saudade, queria esconder-se na escrita a lápis para abrandar as dúvidas de sua consciência meditativa e maquiavélica. Assim, o belenense do Almirante Barroso passou praticamente quase toda a madrugada relatando segredos de sua infância. Lacrimejou por algumas vezes e sorriu quando rememorou as maluquices que improvisava com seu irmão nas avenidas Braz de Aguiar e Presidente Vargas após as saídas do Colégio Nazaré nos primórdios de suas molecagens.

Na madrugada, estatelado em sua janela, Alberto vislumbrava a chuva que principiava a cair. Para ele, o mês de janeiro era um tormento, pois sabia que naquele começo de ano nada alteraria seu cotidiano a não ser o acréscimo da saudade de sua mãe que o ensinou a viver nas janelas como um telespectador da humanidade amazônica.

Entre discos e muitos papéis, Alberto relatava suas histórias e dramaticamente rasgou muitas folhas de papel na noite anterior. Para ele, foi uma tortura por não ter conseguido elucidar as ideias de seus adágios. E nas entrelinhas do papel amassado, a solidão mais uma vez abateu ao seu peito.

Alberto não se dedicou profissionalmente. Para ele, sua ocupação era olhar por entre a janela de seu quarto de pouca luz e felizmente, de vez em quando, conseguia namorar alguma vizinha do prédio ao lado. Assim, a noite chegou novamente e a chuva das 17h deixou apenas uma brisa fria que se estendia naturalmente por toda a casa do paroara que surpreendentemente teve uma ideia.

Tomou um longo banho como há muito não tomava, penteou os longos cabelos já com mechas brancas, vestiu a calça Lee e uma camisa listrada. Tirou do armário um “conga” azul e um par de “soquetes” que há muito queria vestir para uma ocasião especial. Estranhamente, Alberto parecia dar o último trato naquela aparência de homem de janelas. Neste contexto, queria passear por entre as mangueiras da Avenida Presidente Vargas e tomar um trago no “Bar do Parque”. E quem sabe comprar um guarda-chuva novo. Já arrumado, Alberto foi para a sala e subitamente retornou para o seu quarto e novamente olhou pela janela. Fitou a avenida e entrou numa espécie de transe, não viu à hora atravessar e acabou não saindo. 

Assim, Alberto ainda está por lá, em seu mundo de janelas. Em climas quentes conforma-se com a visão do Bosque Rodrigues Alves e nos dias mais tediosos, limpa a janela com a flanela que sua mãe lhe deu e que nunca foi lavada.


FIM 


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Projeto Musical e Literário Primolius Nº 372


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