* Nº 0374 - PASSOS NA MARÉ DA VIDA - SÉRIE: CRÔNICAS DE MAYANDEUA
Ela caminhava, e cada passo parecia desenrolar uma nova camada de memórias. O capitão, outrora tão presente em sua vida, havia partido anos atrás — não por escolha, mas pela inexorável força das marés do destino. Ele partira sem aviso, deixando para trás apenas o eco de suas palavras e a promessa silenciosa de que um dia voltaria. Não como o homem que ela conhecera, mas como algo maior, algo transformado pelo tempo e pelas águas profundas da existência.
Desde então, ela aprendera a navegar sozinha. Aprendeu a ser tanto o timoneiro quanto o porto seguro de si mesma. Mas, no fundo, guardava uma esperança velada: a de que ele retornaria, não em carne e osso, mas como uma presença etérea, como a brisa que roça o rosto ou o farol que ilumina a escuridão. Ela sabia que ele estava lá, em algum lugar, esperando. Esperando o quê? Ela não tinha certeza. Talvez uma nova embarcação, talvez o momento certo para atravessar novamente o limiar do tempo e da vida.
Enquanto isso, ela continuava a viver. Continuava a caminhar pela praia, buscando respostas nas ondas e nos segredos que o mar sussurrava. E naquele dia, enquanto as nuvens carregadas se aproximavam, ela sentiu algo diferente no ar. Era como se o universo estivesse conspirando para revelar algo que há muito permanecia oculto.
No horizonte, além da linha onde o céu encontrava o mar, uma luz tênue começou a pulsar. Era fraca no início, quase imperceptível, mas aos poucos ganhou intensidade. Parecia um farol, mas não era o mesmo que ela sempre via ao longe. Este era diferente — mais vibrante, mais vivo. Seu coração acelerou. Seria possível que...?
Ela paralisou por um instante, seus pensamentos correndo mais rápido do que suas pernas jamais poderiam. Lembrou-se das histórias que ouvira quando criança, sobre almas que atravessavam o véu entre os mundos, guiadas por luzes misteriosas. Será que o capitão finalmente encontrara sua passagem de volta? Ou será que aquela luz era um chamado para ela própria seguir adiante, para encontrar o que ainda faltava em sua jornada?
O vento soprou mais forte agora, agitando seu cabelo e trazendo consigo o cheiro salgado do oceano misturado a algo indefinível — algo antigo, algo sagrado. Ela fechou os olhos por um momento, permitindo-se sentir tudo: o peso do passado, a leveza do presente e a incerteza do futuro. Quando os abriu novamente, a luz estava mais próxima, quase tangível.
A chuva começou a cair, suave a princípio, mas logo se transformando em uma cortina d'água que borrava as fronteiras entre o real e o imaginário. A mulher caminhou em direção à luz, seus pés afundando na areia molhada, seus pensamentos mergulhados em mistérios que ela sabia que nunca compreenderia por completo. Cada passo era uma entrega, uma aceitação de que algumas perguntas não têm respostas claras, apenas ecos que reverberam no coração.
Quando finalmente chegou à beira do mar, onde as ondas lambiam seus tornozelos, ela viu algo que fez seu coração parar: uma embarcação surgindo lentamente da névoa. Não era um barco comum, mas algo que parecia tecido de luz e sombras, flutuando entre os mundos. No convés, uma figura familiar a observava. Era ele — o capitão. Seu rosto estava mais sereno, mais velho, mas seus olhos ainda brilhavam com a mesma intensidade de anos atrás.
Ele não disse nada, apenas estendeu a mão em um gesto silencioso. Ela hesitou por um momento, dividida entre o desejo de correr para ele e o medo do desconhecido. Mas então percebeu que não precisava escolher. Afinal, o amor verdadeiro não exige decisões finais; ele simplesmente existe, fluindo como as marés, conectando pessoas através do tempo e da vida.
Com um sorriso tranquilo, ela entrou na água, deixando que as ondas a levassem até ele. Enquanto subia a bordo da embarcação luminosa, sentiu uma paz que há anos não experimentava. Sabia que aquele não era um adeus, mas um novo começo — uma travessia para um lugar onde o tempo não importava, onde as almas se reencontravam e onde os mistérios finalmente faziam sentido.
Juntos, eles partiram, navegando em direção ao horizonte infinito. Para onde aquelas águas os levariam? Só o tempo diria. Mas, naquele momento, isso pouco importava. O que importava era que eles estavam juntos novamente, prontos para enfrentar o que quer que viesse a seguir.
E assim, a praia ficou deserta mais uma vez, com apenas as ondas marchando em seu lugar, testemunhas silenciosas de uma história que transcendeu o tempo e a vida.
FIM
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Projeto Musical e Literário Primolius Nº 0374