* Nº 0367 - ESPERANDO A MARÉ - SÉRIE: CONTOS DE MAYANDEUA
Era uma vez um homem chamado Ylius, que vivia à beira-mar, próximo ao Furo Velho de Algodoal, em uma pequena cabana de madeira envelhecida pelo tempo e pelas marés. Suas paredes eram adornadas com conchas trazidas pela correnteza, cada uma delas contendo histórias silenciosas que pareciam sussurrar segredos do oceano. Todas as noites, enquanto dormia, Ylius escutava o som hipnótico das águas, um murmúrio constante que ecoava como uma melodia ancestral. A brisa úmida do mar acariciava seu rosto como um sussurro suave, carregando consigo o salgado das ondas e envolvendo-o em um véu de sonhos e devaneios.
Em seus momentos de sono profundo, Ylius desenhava quadros invisíveis na areia com dedos imaginários, criando paisagens que se dissolviam ao primeiro toque da luz da manhã. Silenciosamente, escrevia versos ao vento, palavras que dançavam brevemente sobre a superfície úmida da praia antes de serem levadas para longe, tragadas pelo abraço voraz das ondas. O vento secreto, cúmplice dessa arte efêmera, transportava consigo metade dessas palavras, deixando apenas fragmentos incompletos que ecoavam nos confins do horizonte, como memórias esquecidas que insistiam em permanecer.
Mistérios estreitavam o silêncio do tempo, e memórias e sensações surgiam no horizonte, flutuando entre o passado e o futuro. Enquanto isso, outra parte dele — aquela que não pertencia ao presente — parecia corromper aquele próprio horizonte, diluindo as fronteiras entre o céu e o mar. A arte da vida, refletia ele em seus pensamentos mais íntimos, era como estrelas soltas de um mar distante: brilhantes, fugazes e inalcançáveis. Um soluço silencioso quebrava junto com as ondas, ecoando a dor de um coração que ansiava por algo que nunca poderia nomear completamente.
Ylius desejava que seu sono pudesse trazer um novo sol, uma aurora capaz de dissipar as sombras que habitavam seus dias e noites. Não esquecia, porém, que a noite tramitava como palavras escritas em pergaminhos invisíveis, sempre renovando seus mistérios contínuos. O mar transbordava de significados, enquanto ele permanecia atento à meia-noite, novamente sozinho, cercado por uma vastidão que o confortava e o isolava ao mesmo tempo.
Cheiros, cores e pensamentos invadiam seu peito dilacerado pelo mar, cada um deles evocando lembranças de lugares e pessoas que já não existiam mais. Sua vida era como um livro escondido, cujas páginas ainda estavam em branco, aguardando serem preenchidas com novas experiências e descobertas. Fragmentos de uma vida esquecida nos trópicos — onde o calor do sol se misturava ao frescor das chuvas repentinas.
Assim caríssimas fontes naturais que estas palavras proclamem um novo alfabeto no Mar! Que elas naveguem além das margens conhecidas, atravessando oceanos e continentes, até encontrar aqueles que precisam ouvi-las. Que cada letra seja uma gota d'água, refletindo a luz de mil sóis de girassóis iluminando caminhos antes obscurecidos pela escuridão. E que, ao final, tudo seja copilado em uma sinfonia perfeita de sons rupestres com imagens e emoções, transformando o simples ato de existir em uma obra-prima eterna. Para Ylius, essa era a essência de sua jornada: viver entre o tangível e o efêmero, produzindo histórias que o mar escreveria para sempre em seu caderno molhado de aventuras.
- Lá esta ele esperando a maré vazar e encher...
FIM
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Projeto Musical e Literário Primolius Nº 0367