* Nº 100 - DUELO PRAIANO - SÉRIE: FÁBULAS DE MAYANDEUA

Era uma vez, em um manguezal cheio de vida e mistérios, um caranguejo chamado Catryco. Catryco era um ser curioso que aproveitava todas as vazantes para explorar os recantos do mangue. Ele gostava de passear entre as raízes dos mangues, espiar os peixes saltando nas poças d'água e sentir o cheiro salgado da maré baixa. Mas, apesar de sua coragem para explorar o mundo ao redor, Catryco sempre ouvira histórias sobre o perigoso siri que vivia na outra margem do manguezal.

Os outros caranguejos diziam que os siris eram traiçoeiros, egoístas e nunca deveriam ser confiáveis. "São diferentes de nós", alertavam os mais velhos. "Não se deixe enganar pelo sorriso fácil deles". Essas palavras ecoavam na cabeça de Catryco, mas ele nunca tinha visto um siri de perto — até aquele dia.

Enquanto caminhava por uma trilha lamacenta durante uma das suas aventuras, Catryco avistou algo estranho: uma figura com garras finas e coloridas, meio enterrada na lama. Era um siri! E não qualquer siri, mas um exemplar especialmente brilhante, cuja casca refletia a luz do sol como se fosse feita de pedras preciosas. O coração de Catryco disparou. 

"O que eu faço agora?", pensou, paralisado. "Será que ele vai me atacar? Ou será que sou eu quem deve fugir?"

Do outro lado, o siri também hesitou. Chamava-se Pedrylo, e ele também crescera ouvindo lendas sobre os caranguejos. "Vixe! Lascou", murmurou baixinho. "Dizem que eles são briguentos e agressivos... Será que ele vai querer brigar comigo?"

Por alguns segundos, o silêncio pairou sobre Mayandeua, aquela parte tranquila do mangue onde o tempo parecia andar mais devagar. Nenhum dos dois sabia o que fazer. Então, finalmente, Catryco tomou coragem:

— Bom dia, seu Siri.

Pedrylo piscou, surpreso. Não esperava tamanha gentileza.

— Bom dia, seu Caranguejo — respondeu, ainda desconfiado.

Outro momento de silêncio se instalou, mas dessa vez foi diferente. Foi um silêncio reflexivo, cheio de possibilidades. Enquanto isso, dentro da cabeça de Catryco, uma voz soava clara: "Ufa! O siri parece um sujeito legal. Não é como falam no manguezal." Já Pedrylo pensava: "Égua! O caranguejo não é como sempre dizem. É um sujeito educado."

A partir daquele encontro inesperado, uma amizade improvável começou a florescer. Catryco e Pedrylo começaram a se encontrar regularmente. Conversavam sobre tudo: as mudanças das marés, os segredos das plantas do mangue, os perigos dos predadores e as histórias que cada um conhecia. Descobriram que tinham muito mais em comum do que imaginavam.

Catryco mostrou a Pedrylo seus esconderijos favoritos nas tocas profundas da margem, enquanto Pedrylo apresentou Catryco às pedras escorregadias onde gostava de tomar sol. Às vezes, rolavam pela lama juntos, rindo como crianças. Durante a noite, quando a lua iluminava o manguezal, eles compartilhavam histórias sob as estrelas. Durante o dia, exploravam novos cantos do mangue, sempre unidos.

Mas nem todos no manguezal aceitavam essa amizade incomum. Alguns caranguejos torciam o nariz para Catryco, dizendo que ele estava traindo sua espécie ao andar com um siri. Do mesmo modo, alguns siris zombavam de Pedrylo, acusando-o de ser fraco por confiar em um caranguejo. No entanto, Catryco e Pedrylo aprenderam a ignorar os comentários maldosos. Sabiam que haviam encontrado algo raro e valioso: uma verdadeira amizade baseada no respeito e na compreensão mútua.

Um dia, uma grande tempestade assolou o manguezal. Árvores caíram, poças transbordaram e muitos animais ficaram presos em armadilhas naturais criadas pela força da água. Catryco e Pedrylo, percebendo o caos ao redor, decidiram trabalhar juntos para ajudar seus vizinhos. Usando as habilidades de Catryco para cavar túneis e a agilidade de Pedrylo para escalar rochas escorregadias, eles conseguiram salvar vários caranguejos e siris que estavam em perigo.

Quando a tempestade passou, o manguezal inteiro testemunhou o heroísmo da dupla improvável. A partir de então, ninguém mais questionou sua amizade. Pelo contrário, Catryco e Pedrylo tornaram-se símbolos de união e cooperação no manguezal. 

E assim, Catryco e Pedrylo continuaram amigos inseparáveis, provando que, no vasto e diverso mundo do mangue, até mesmo caranguejos e siris podem construir laços duradouros.


A moral da história é que as diferenças entre as pessoas não devem ser vistas como obstáculos, mas sim como oportunidades para aprender, crescer e construir laços mais fortes  Catryco e Pedrylo provaram que, ao superar preconceitos e julgamentos baseados em estereótipos, é possível encontrar amizade, respeito e cooperação onde antes parecia impossível.


FIM

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Projeto Literário e Musical Primolius Nº 0100

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