*Nº 0233 - VOX DAS ÁGUAS - SÉRIE: CRÔNICAS DE MAYANDEUA



Em uma ilha distante, a natureza se revela em sua forma mais pura. Além do ar, resta apenas o mar, vasto e insondável, envolvendo a terra com suas ondas incessantes. As plantas, de folhas brilhantes e inquietas, suavizam os mangues como mãos cuidadosas que acariciam o solo, chamando mais vidas para seu seio fértil. Suas raízes mergulham profundamente no rio, nutrindo e revitalizando as margens risonhas onde a vida sempre floresce.

Essas terras, abençoadas por águas abundantes, são um domínio de riquezas inestimáveis. O ouro incolor manifesta-se nas águas estremecidas do grande Salgado, águas sagradas da terra de Mayandeua. Ali, as árvores crescem majestosas, e as Uiaras passeiam graciosamente, dançando entre os mangues que se abrem para dar espaço à vida. Os mapas e caminhos aquáticos revelam o domínio dessas terras fartas de peixes, onde o ouro dos remos solitários guia os navegantes pelas águas do grande Pará.

Quando a noite cai, mastros são erguidos sob o olhar atento dos bichos encantados. Os motores roncam, maresias se espalham, e correntes levam e trazem os filhos da ilha. Sons de todas as línguas se misturam, compondo uma sinfonia que é a essência de nossa terra. O ouro das velas brancas brilha sob a luz das estrelas, enquanto as águas santas do verbo Mayandeuar murmuram cânticos de paz. O canto dos caboclos e sereias ecoa pelos rios, lagos e matas, enquanto o tumulto dos rebojos encantados reverbera, criando uma pororoca de culturas. As águas perigosas, marcadas pelo tempo, refletem as horas progressivas, e o domínio dessa gente forte é traçado pelas riquezas de seus braços laboriosos. As águas do vento Pará, carregadas de promessas e esperanças, embalam a vida daquele lugar.

Há uma música oculta nas mãos dos homens namoradeiros. Eles tocam o carimbó através de curimbós encantados e solenes, instrumentos presenteados pela lua fêmea, que ilumina vazantes e ciclos de fertilidade. Eis a maré nos arremates dos camarões, nas margens de Camboinha, Algodoal e Fortalezinha, sob o grande céu de chuvas e águas dos Encantados, onde poetas e amantes se encontram no limiar das paixões de outras luas, que só aqui acontecem.

O ouro dos botos, peixes e homens brilha nas águas da paisagem do Pará. Os ritmos dos tambores gritam, curimbós trovejam nas mãos dos sumanos, e os sons e acordes movem gerações. Este planeta da poesia dos Mestres da ilha é um eterno encantamento. Nas tardes preguiçosas, uma sesta no fundo da rede é um convite ao descanso aquático, proclamando a riqueza do repouso. A voz das águas, domínio das chuvas de Mayandeua e Algodoal, ressoa com autoridade, enquanto as águas do mundo Pará se transformam em pura natureza, sem nunca realmente cessar.

E lá, defronte a Camboinha, a verdadeira imagem se revela: fora do ar, há somente o mar. E, numa cena de rara beleza, um guará bebe a água sagrada dos lagos, completando o ciclo de vida e harmonia daquele único lugar.

FIM

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Projeto Musical e Literário Primolius Nº 0233

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