N° 0945 - ROMANA - SÉRIE: CONTOS FANTÁSTICOS DE MAYANDEUA



Nas profundezas do tempo, onde mapas humanos se perdem em névoas, reside Romana, uma região misteriosa. Lá, o céu se curva em reverência à terra, as árvores dançam sob o toque de ventos invisíveis, e o rio pulsa com a essência de histórias sussurradas por vozes. Em Romana, o real e o fantástico se entrelaçam como as raízes de um mangue antigo, criando um reino de beleza e mistério.

Nessa terra enigmática, vivia Manyon, um caboclo de alma simples e coração puro. Sua pele, curtida pelo sol, e suas mãos, calejadas pelo trabalho árduo, contavam a história de uma vida em harmonia com a natureza. Sua humilde barraca, erguida à beira do rio, era adornada por redes de pesca penduradas ao vento e paneiros repletos de peixes secando sob o sol. A habilidade de Manyon com o terçado era conhecida, tanto para abrir caminho na densa mata quanto para limpar os peixes que sustentavam sua vida. Seu ritmo era ditado pelas marés e pelas fases da lua. 

Manyon era considerado abençoado – ou amaldiçoado – pelos espíritos aquáticos que habitavam Romana. Em sua barraca, um cacuri sempre se mantinha farto de frutos do mar frescos, um presente da natureza que parecia não exigir nada em troca. Garças e guarás coloridos o seguiam, seus movimentos coreografados prenunciando os eventos futuros. Os bagres, gentilmente deixados no curral, eram consumidos pelas aves em um ritual secreto, selando um pacto ancestral.

Um dia, a serenidade de Romana foi abruptamente interrompida. O céu se tingiu de cores sombrias, e uma chuva fina, carregada de uma atmosfera pesada, pairou sobre a terra. Manyon, imerso em suas tarefas diárias, não percebeu a tempestade que se aproximava. Ao cruzar o rio em direção à margem oposta, um véu cinzento obscureceu sua visão.

Ao alcançar a outra margem, Manyon paralisou. Seus olhos se arregalaram em incredulidade, e um calafrio percorreu sua espinha. Uma visão inimaginável se revelou diante dele: uma sereia caçada, com cabelos negros como a noite e olhos flamejantes como brasas. Ferida e exausta, sua beleza irradiava uma aura de mistério e poder. Seu corpo reluzia sob a luz fraca da tempestade, alterando a própria essência do lugar.

Manyon, cativado pela visão, não conseguia desviar o olhar. A criatura ergueu a cabeça e o encarou com uma intensidade que penetrou sua alma. Então, sua voz ecoou em sua mente, sem que seus lábios se movessem: "Você é o guardião deste rio, mas não pode me salvar."

As palavras, como trovões, reverberaram em sua mente. O medo, avassalador, o dominou. Em um ato impulsivo, Manyon abandonou seus paneiros de peixe e correu em direção à canoa. Com o coração em disparada, remou desesperadamente contra a correnteza, fugindo daquela visão sobrenatural. Em seu casquinho, partiu sem olhar para trás, deixando para trás a sereia e o mistério que a envolvia.

Na manhã seguinte, os moradores de Romana encontraram a caiçara de Manoel devastada pela maré. Apenas fragmentos de madeira flutuavam no rio, testemunhando a força da natureza. Alguns sussurravam que os espíritos aquáticos o haviam levado; outros acreditavam que a sereia o havia escolhido para ser seu novo guardião. Manyon das Águas desapareceu, para sempre.

Dizem que, nas noites de tempestade, o som de remos ecoa nas águas e uma luz estranha dança no horizonte, guiando os espíritos perdidos. Se você se aventurar em Romana e ouvir o canto suave de uma mulher vindo do rio, afaste-se imediatamente: é a sereia, vagando em busca de alguém que possa compreender sua dor.

- Dizem que Manyon já foi visto vagando pelas areias de Algodoal e Mayandeua....


- Assim narrou Primolius!


FIM

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Projeto Literário e Musical Primolius N° 0945



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