N° 0934 - PERFIL ATUALIZADO - SÉRIE CRÔNICAS DE MAYANDEUA



A obsessão pela modernidade tomou conta de todos os espaços, não apenas físicos, mas também mentais. Vivemos em um turbilhão de informações, letreiros luminosos que piscam de todos os lados e nos capturam como moscas em uma teia invisível, que nunca questiona. Pingos de chuva que lavam a poeira das ilusões, trazendo à tona a beleza simples de um mundo que respira. As belezas agora são fabricadas, cuidadosamente preparadas para se encaixar na fórmula do que é aceitável, do que é desejável, do que é “bonito”. As imagens da perfeição digital preenchem os feeds, e quem não se adapta a essa estética parece estar em um lugar de exílio, observando o mundo de fora, enquanto tudo acontece em uma velocidade vertiginosa. Que possamos aprender a valorizar as areias aos pés, a impermanência da vida que nos ensina a cada instante.

Nunca foi tão moderno falar de generosidade. Um conceito tão profundo e humano, agora reduzido a postagens e hashtags que fazem do ato de dar algo mais um produto de consumo. A generosidade é vendida em pacotes atraentes, onde a intenção é ofuscada pela necessidade de exibição. Todos sorriem através das telinhas digitais, propagando uma felicidade que não parece caber no corpo real. No fundo, um sorriso digital não é uma verdade – é uma máscara. E, no entanto, continuamos a aplaudir essas representações de vidas perfeitas, de amores eternos e conquistas inatingíveis. Que possamos desviar o olhar das telas e contemplar as ondas chegando no horizonte, a força da natureza que nos lembra da nossa pequenez e da nossa capacidade de amar.

Nunca foi tão atual ouvir canções insignificantes e, em um estalar de dedos, tornar-se rei ou rainha. Não importa o conteúdo, o que importa é o palco em que ele se apresenta. A música que não desafia, que não provoca, que não questiona, é a que reina nas playlists dos modernos, enquanto os acordes vazios se multiplicam infinitamente. Tornamo-nos produtores de cultura sem saber, mas sem saber também o que realmente estamos consumindo. E assim, a realeza digital não precisa de coroa nem de castelo, basta um post, uma foto, um número de curtidas para sentir o poder fluir por entre os dedos. Deixemos o vento no rosto constante levar embora as melodias vazias e permitir que a sinfonia da natureza nos inspire a criar e a sentir.

Todos são éticos neste novo mundo onde a moral também é fabricada através de curtidas. A ética, agora, parece ser tão fluida quanto as páginas que deslizamos com o dedo. Vira-se a página e a moralidade se adapta, se modela conforme o que é mais conveniente no momento, conforme o que gera mais reações. E as opiniões são rápidas, efêmeras, quase descartáveis, como se o debate e a reflexão tivessem sido engolidos pela pressa de agradar. Ser ético virou sinônimo de ser popular, de se encaixar nas normas estabelecidas por um sistema invisível, mas extremamente influente. Que as marés indo e vindo nos ensinem sobre a importância do fluxo e refluxo da vida, da necessidade de renovação e da busca constante por uma ética mais profunda e verdadeira.

Nunca foi tão contemporâneo ter o direito de ser feliz – mas, como sempre, este direito vem com uma condição. A felicidade, neste cenário, é medida pela comparação constante. Felizes são aqueles que podem ser vistos felizes, aqueles que possuem o direito de exibir sua alegria como se esta fosse um bem de consumo. E para ser feliz, é necessário, antes de tudo, agradar os vizinhos do lado – aqueles que observam da janela digital. A felicidade é mais uma moeda de troca, uma mercadoria que, ao ser compartilhada, se torna um capital social. E se ela não for compartilhada, será como se não existisse. Avistemos o barco distante no mar, a metáfora da jornada individual em busca da verdadeira felicidade, longe dos holofotes e das expectativas alheias.

E assim, uma grande parte do mundo vive sua contemporaneidade através de suas belezas. Mas estas não são as belezas do mundo real, com suas imperfeições e contradições; são belezas filtradas, processadas, limpas de qualquer indício de humanidade. A beleza tornou-se um produto fabricado para agradar aos olhos digitais, com o fim de vender um estilo de vida que todos querem viver, mas poucos conseguem. A imagem da perfeição, editada e polida, é o novo parâmetro da existência. E, no entanto, essa busca incessante pela beleza perfeita é uma corrida sem fim. Que a espera nos fortaleça, tempo de esperas, para reencontrarmos a beleza autêntica em cada detalhe do mundo, em cada sorriso sincero, em cada imperfeição que nos torna únicos.

E assim, na urgência de nos mantermos atualizados, a grande missão é a de adquirir o tapete vermelho. Não o tapete da vitória genuína, da conquista de uma trajetória única e pessoal, mas o tapete vermelho das aparências, aquele que nos permite entrar no espetáculo da vida, onde somos todos atores e o palco nunca é o real. Precisamos do tapete vermelho para que o mundo nos veja, para que a tela brilhe ao nosso redor, para que sejamos reconhecidos na multidão de avatars e perfis falsificados. Que possamos encontrar, em mayandeua em algum lugar, o refúgio para a alma, a conexão com a essência, a verdade que reside em cada um de nós, além das máscaras e dos palcos artificiais.

Na Terra do “perfil atualizado”, o conteúdo não é mais o que importa. O que importa é a embalagem, a foto perfeita, a frase pronta. O mundo digital, onde tudo é efêmero, nos exige atualizações constantes. E nós, ansiosos para atender a essa demanda, nos perdemos nas atualizações de um mundo que nunca pára de girar. Que possamos aprender a desacelerar, a respirar fundo e a encontrar a beleza nas coisas simples, na natureza que nos cerca e na conexão humana que nos nutre.

- Primolius atravessando o Rio Marapanim.... 


FIM

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Projeto Literário e Musical Primolius N° 0934

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