* Nº 0924 - DA JAQUEIRA CAÍ! SÉRIE: CRÔNICAS DE MAYANDEUA



(Direto de Mayandeua)

Era nas férias no interior que a vida se revelava em cores vibrantes e ritmos serenos. O tempo, como um rio preguiçoso, convidava à contemplação, transformando cada instante em uma preciosidade. E foi em um desses verões mágicos, em meio a risos infantis e contos ancestrais, que meus dez anos se eternizaram.  Dona Roberta, qual matriarca, reinava na varanda, ladeada por um séquito de pequenos curiosos. Em suas mãos, a caneca de barro parecia um portal para mundos fantásticos. Suas histórias, alinhadas com vozes de encantamento, gargalhadas e mistério, pairavam no ar, capturando a imaginação das crianças, que viam lobisomens e matintas espreitarem nas sombras da mata.

A igreja singela, coração pulsante da vila, irradiava uma aura de devoção. Ao seu redor, casas de palha sussurravam segredos ancestrais. O rio gélido acenava aos jovens aventureiros, enquanto o calor  fazia o couro das sandálias implorar por alívio. Pétalas rosadas de jambeiros, delicadas como confetes, adornavam a rua principal, perfumando o ar com um aroma inebriante.

Crianças saltitavam, brincavam e corriam livremente. Pulavam macaca, atiravam pedras em busca de tesouros frutíferos e saciavam a sede com os jambos generosos à beira da estrada. Nas tabernas acolhedoras, baldes e bacias suspensos ofereciam água fresca aos viajantes sedentos. As padarias artesanais, com seu assoalho rangente e aroma sedutor de pão caseiro, despertavam memórias adormecidas. Cacetinhos, broas, beijos de moça e bolachões, delícias singelas, compunham o cardápio daquela época dourada.

À noite, a brisa suave acalmava a poeira e embalava os insetos ao sono, enquanto o rádio de pilha, fiel companheiro, transmitia notícias longínquas e melodias que aqueciam as conversas ao redor do fogo. Mosquiteiros protegiam dos carapanãs insistentes, enquanto as lendas de matintas e lobisomens assombravam os sonhos dos mais temerosos.

Foi nesse cenário mágico que, aos dez anos, desafiei a jaqueira do telhado decadente de seu Manuel. Do alto, a vila se estendia em toda a sua beleza: os telhados de palha, os jambeiros floridos e o rio sinuoso. A aventura, porém, teve um fim abrupto: um escorregão, uma queda e alguns arranhões marcaram aquele instante na memória.

Hoje, ao revisitar aqueles dias, as imagens da jaqueira, das histórias de dona Roberta, dos pães quentinhos e das risadas infantis resplandecem com intensidade. Momentos simples, impregnados de magia, que moldaram minha infância e me revelaram a beleza da felicidade nas pequenas coisas.

E assim, aos dez anos, tombei da jaqueira. Mas levantei com um sorriso, pois naquele recanto abençoado, até as quedas tinham o sabor doce das férias.


- Assim narrou Primolius!


FIM

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Projeto Literário e Musical Primolius N° 0924



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