* N° 0913 - O TAMBATAJÁ E A FRUTA MADURA - SÉRIE: CRÔNICAS DE MAYANDEUA


No coração pulsante da mata , onde o tempo se curva ao ritmo das marés e o vento sussurra histórias milenares, uma melodia ancestral emerge e ecoa. É um canto que convoca um bailado navegante, unindo homens, mitos e a própria natureza em uma sinfonia de cores, sons e emoções indizíveis. Pois ali, entre o verde denso e o leito dos rios, reside o Tambatajá, um ser mítico que dança sob a luz prateada da lua de Maya, trazendo consigo o perfume das frutas maduras e o calor ardente das paixões amazônicas.

A estrela desta crônica, porém, não brilha no firmamento distante; ela reside aqui, palpável nesta ilha e  na terra úmida que abraça os pés descalços dos caboclos e nos galhos ancestrais das árvores que guardam segredos seculares. O clarão do amor irrompe como o sol poente sobre as águas, tingindo a paisagem com sua cor vibrante e plena — uma tonalidade que não se explica, mas se sente. É a vida em sua forma mais suave, como o toque de uma fruta madura, colhida no ponto exato, quando a casca se rompe e revela o néctar que alimenta não só o corpo, mas a própria alma.

E assim, em um ritual antigo, chegam as cheias. Avançam devagar, cadenciadas pela canção etérea das sereias que habitam  estas ilhas e todos os igarapés. A pororoca, então, surge majestosa, rugindo como um leão enfeitiçado, pronta para encantar quem ousa desafiá-la. Em noites de lua cheia, o rio-mar parece pulsar em harmonia com o coração humano. Na sequencia de dias amazônicos o  tambor ressoa no arraial, marcando o compasso do carimbó, enquanto os pescadores lançam suas redes ao som da folia. Eles, os filhos desta terra, sabem que, mesmo na mais profunda escuridão, há sempre uma luz ancestral a guiar seus "passos"  no mar.

Mas, afinal, quem é esse Tambatajá ? Dizem que ele é mais que uma figura de planta ; é o espírito que habita a memória coletiva da Amazônia, a essência imaterial de seu povo. Ele vem acompanhado de suas cunhãs-porangas, mulheres belas e misteriosas, que trazem consigo sorrisos que desarmam e maracás que ecoam celebração e resistência. São elas que, com a delicadeza de um rito, "tiram o quebranto" da alvorada, afastando as sombras da solidão e preparando o caminho para o amor que, ali, jamais tarda a chegar.

Nesse abraço fluido, onde a vida se revela em sua beleza mais simples, a água acalenta a solidão como uma mãe embala seu filho. No entanto, nem tudo é calmaria serena. A ventania, por vezes, carrega consigo a nostalgia, produzindo  lembranças de tempos idos e promessas que o tempo não cumpriu. E lá está o boto, travesso e astuto, emergindo das águas para caçoar dos apaixonados, enquanto o sal da maresia se mistura, imperceptível, às lágrimas derramadas por saudade.

OTambatajá é também a própria biografia deste lugar. É a correnteza que flui sem pressa, moldando pedras e areias ao longo de seu percurso eterno. É o lamento que se transmuta em canção, pois na Amazônia até o sofrimento encontra sua própria musicalidade, sua forma de ecoar. Quando a lua cheia banha o céu, os cantos brotam das matas como sinfonias improvisadas, preenchendo o ar com melodias que parecem vir de outro mundo, de um tempo distante. Cada nota é um eco da vida pulsante, cada palavra, cada assovio, um convite ao reencontro de esferas abertas no tempo..

E assim, todos o chamam. Chamam pelo nome que transcende gerações, que atravessa fronteiras invisíveis e conecta o homem à natureza, o presente ao passado, o sonho à mais vívida realidade. O Tambatajá não é apenas a figura de um mito; ele é a própria essência viva da Amazônia: um misto inebriante de magia, força ancestral e ternura acolhedora. É a fruta madura que espera ser colhida, o tambor que nunca silencia, o rio que, incansável, jamais para de correr.

Por isso, quando a noite cair em Maya  e a lua, soberana, dominar o firmamento, erga seus olhos e, acima de tudo, escute. Talvez você ouça o chamado sussurrante do Tambatajá . Ele estará lá, pronto para conduzi-lo em uma jornada onde o amor, a música e a natureza se fundem em uma só entidade, inseparável e eterna. Porque, afinal, na Amazônia, até as estrelas dançam ao som envolvente do carimbó. Quiçá cantem!

Assim narrou Primolius 


FIM

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Projeto Literário e Musical Primolius Nº 0913

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