* N° 0912 - O GNOMO ARIPES E A ARIRANHA MARIAN - SÉRIE: FÁBULAS DE MAYANDEUA



Era uma vez, na  Ilha de Mayandeua, um gnomo singular chamado Aripes. Ele era o guardião dos segredos mais antigos das matas de restinga e dos igarapés sinuosos que serpenteavam pela ilha. Sua morada era entre as raízes entrelaçadas dos mangueiros, e não havia trilha que levasse às praias como Algodoal e Fortalezinha que ele não conhecesse.

Um dia, enquanto seus olhos contemplavam a maré alta beijar suavemente a Praia da Princesa, Aripes fez um encontro que transformaria sua vida: Mairan. Vinda das pequenas vilas da ilha, ela era uma moça cujos olhos espelhavam a profundidade insondável dos oceanos e cujo espírito ansiava pelas ondas, mesmo vivendo em terra firme. Mairan carregava em si um chamado ancestral do mar e, tinha uma saudade de algo que lhe era inexplicável, e fora atraída a Aripes pelas histórias sobre sua sabedoria. Foi por ele que, naquele instante, seu coração  bateu mais forte.

Juntos, eles embarcaram em aventuras que entrelaçariam seus destinos para sempre. Exploraram os manguezais revelados pela maré baixa, colheram açaí, caju e taperebá nos quintais nativos e dançaram ao som de um carimbó imaginário sob o manto estrelado de Mayandeua, bem longe do burburinho dos poucos turistas. Aripes e Mairan viveram felizes na tranquilidade da ilha, em uma pequena cabana de palha com vista para o Furo Velho, por incontáveis ciclos de maré.

Um dia, Aripes presenteou Mairan com um colar de pérolas, joia que ele havia encontrado mergulhando perto das pedras da Ponta do Boiador, onde o mar abraça as maiores profundezas. Mairan ficou radiante e agradeceu com um singelo beijo, que trazia o sabor salgado do mar e a doçura do mel das abelhas nativas da Princesinha. Mal sabia Aripes que o colar, banhado pelas energias primordiais de Mayandeua, possuía um poder mágico ancestral: ele despertaria em Mairan a rara capacidade de se transformar em uma elegante ariranha , permitindo-lhe, enfim, atender ao eterno chamado do oceano.

Uma curiosidade imensa, um anseio pelas profundezas que rodeavam a ilha, tomou conta de Mairan. Ela decidiu experimentar o colar. Ao colocá-lo, sentiu uma metamorfose percorrer cada fibra de seu ser e, com um ágil mergulho, já em sua nova forma de ariranha, desapareceu nas águas esverdeadas que lambiam a areia. Aripes a viu partir da praia, o coração apertado pela surpresa e por uma premonição. Correu pela faixa de areia molhada, mas era tarde demais. Mairan havia sumido entre as ondas suaves que quebravam na costa.

Por dias, Aripes esperou na praia, observando as canoas dos pescadores retornarem ao pôr do sol, na esperança de que sua amada voltasse com a próxima maré. Mas ela não retornou. Uma dor amarga o invadiu ao compreender a dimensão de seu erro, ao presentear-lhe o colar sem entender completamente seu poder e o profundo anseio que ele despertaria nela. Tomado por culpa e arrependimento, o gnomo decidiu procurar a moça pelo vasto mar que abraçava Mayandeua. Confeccionou um  traje de mergulho com folhas largas e cipós resistentes, colhidos na Trilha Encantada, e, com a coragem do desespero, mergulhou nas águas de Maya.

Nadando por horas a fio, Aripes viajou por entre cardumes de peixes coloridos e pelos jardins de algas que dançavam com a correnteza, sempre à procura de sua amiga. Finalmente, ele a encontrou. Mairan, em sua graciosa forma, brincava alegremente com outras de sua espécie e até mesmo com alguns botos curiosos, em uma gruta subaquática oculta entre os recifes próximos à Ilha de Algodoal.

Aripes aproximou-se dela e, com a voz embargada pela emoção e pelo esforço, falou. Revelou a saudade imensa que sentia, uma vastidão comparável à maré baixa que revela a praia, e implorou que ela voltasse com ele para a vida em Mayandeua. Disse que compreendia se a descoberta dessa nova forma e a liberdade do oceano a chamassem mais forte, mas que ele não poderia imaginar seus dias na ilha sem a presença dela.

Mairan, ao ouvir a voz de Aripes, sentiu seu coração de criatura da ilha pulsar com força. Ela também sentia que aquela amizade poderia, no futuro, aprofundar-se em algo ainda mais belo, e percebeu que a felicidade completa não residia apenas na liberdade recém-descoberta do mar, mas na companhia dele, na partilha dos segredos da ilha. Respondeu ao amigo que devolveria o colar, mas que gostaria de manter a capacidade de se transformar em ariranha , para poder visitar o mar de vez em quando, nadar com os peixes e sentir a liberdade das ondas.

Aripes aceitou com alegria transbordante e acrescentou que ele também gostaria de acompanhá-la ao mar algumas vezes, talvez até aprendendo a nadar melhor para explorar com ela aquele universo aquático. E assim, o gnomo Aripes e a encantada Mairan continuaram sua história na Ilha de Maya, tecendo uma vida entre a terra e o mar, uma narrativa tão bela e fluida quanto as paisagens da ilha que os abrigava.

Portanto... 

A história de Aripes e Mairan na Ilha de Mayandeua nos ensina uma profunda verdade: A verdadeira amizade e o amor mais puro não prendem, mas libertam. Eles nos convidam a compreender as mais íntimas aspirações do outro, mesmo aquelas que parecem nos levar para longe. 

E assim narrou Primolius....


FIM

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Projeto Literário e Musical Primolius Nº 0912



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