* Nº 0072 - A VIAJANTE - CONTOS FANTÁSTICOS DE MAYANDEUA




O aroma salgado e úmido da brisa de Mayandeua dançava ao redor da recém-chegada, enquanto seus olhos se perdiam na exuberância da ilha. Cores vibrantes explodiam nas flores e nas vestes dos poucos que cruzavam seu caminho, um contraste delicioso com a memória cinzenta de onde viera. Ela sorria, absorvendo a atmosfera pacífica, a cadência lenta da vida que pulsava naquele recanto do mundo.

Com passos hesitantes, guiada por uma curiosidade insaciável, aproximou-se da figura enrugada que descansava sob a sombra de um coqueiro. O ancião, com a sabedoria gravada em cada linha do rosto, observava o mar cintilante. Ela hesitou por um instante, sentindo o peso de sua jornada através dos véus que separavam mundos, antes de se dirigir a ele em uma língua suave, adornada por um sotaque melódico e desconhecido.

"Senhor," começou ela, a voz carregada de uma excitação contida, "este lugar... Mayandeua... é ainda mais belo do que os sussurros distantes que alcançaram meu lar."

O ancião ergueu os olhos calmos, convidando-a a prosseguir com um leve aceno de cabeça.

"Vim através dos portais," ela continuou, apontando vagamente para o horizonte onde o céu se fundia com o oceano. "Os portais de Maya... em meu lar, Taured, eles são conhecidos, reverenciados até."

Uma ruga se aprofundou na testa do ancião, não de confusão, mas de uma memória antiga que começava a despertar.

"Em Taured," a mulher prosseguiu, seus olhos brilhando com uma nostalgia inesperada, "recordamos com carinho de um de seus antigos filhos. Um homem que deixou esta ilha há muitas luas, navegando pelos mesmos portais que me trouxeram. Ele viveu por muitos anos em um lugar chamado Algodoal... e suas histórias sobre a magia de Maya e seus portais ecoavam em nossas casas."

Ela fez uma pausa, observando a reação do ancião. Um tênue sorriso curvou seus lábios.

"Esta ilha é um sonho tornado realidade," ela suspirou, inalando profundamente o perfume das flores do mangue e cajueiros. "Mas minha jornada é longa, e meu tempo aqui será breve. Vim apenas para ver com meus próprios olhos o lugar que tanto encantou um dos nossos."

Com um último olhar admirado para a beleza serena de Mayandeua, a mulher se despediu do ancião com uma reverência silenciosa. Sabia que as lembranças daquela ilha misteriosa e a confirmação das histórias de seu antigo habitante a acompanhariam em suas futuras andanças pelos caminhos ocultos que ligavam os mundos. Os portais de Maya, ela sabia agora, eram mais do que  passagens; eram teias que se tocavam nos lugares mais inesperados.

A mulher se afastou, sua figura esvanecendo-se na luz dourada da tarde que banhava Mayandeua. O ancião a acompanhou com o olhar sereno, as palavras dela ecoando em sua memória como o suave murmúrio das ondas na areia. Quando a silhueta da forasteira desapareceu entre as árvores frondosas, ele suspirou, um som carregado de eras e de histórias não contadas.

Levantou-se lentamente, apoiando-se em seu cajado de madeira entalhada, e fitou o horizonte vasto e azul, onde os portais de Maya permaneciam invisíveis aos olhos comuns. Uma vaga lembrança dançou em sua mente, a imagem fugaz de um jovem de Mayandeua, com o brilho da aventura nos olhos, partindo para terras distantes. Algodoal... o nome soou familiar, como uma melodia esquecida.

Um leve sorriso iluminou o rosto marcado do ancião. Ele sabia que os caminhos do tempo e do espaço eram misteriosos e interconectados de maneiras que a mente humana mal podia compreender. As histórias viajavam pelos portais, tecendo laços invisíveis entre lugares distantes e corações desconhecidos. A breve visita daquela mulher de Taured era uma prova viva dessa verdade.

Com um último olhar para o mar infinito, o ancião murmurou, em sua língua ancestral, uma única palavra, carregada de significado e aceitação: "Teias."

- Assim narrou Primolius 


FIM

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Projeto Musical e Literário Primolius Nº 0071



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