* Nº 0227 - A ÍNDIA DA MEIA-NOITE - SÉRIE: CONTOS FANTÁSTICOS DE MAYANDEUA
Na antiga mata de Mayandeua, onde a escuridão se entrelaça com segredos ancestrais, os sussurros das folhas e o choro das corujas e bacuraus regem uma sinfonia que só os iniciados compreendem. Entre as sombras, uma figura emerge como parte da própria noite: a Índia da Meia-Noite, guardiã de mistérios que transcendem o tempo. Dizem que seus passos não tocam o solo, mas deslizam como névoa sobre as folhas úmidas, guiados por uma conexão visceral com a alma da mata.
Sua missão vai além de vigiar fronteiras. Ela é uma dos muitos guardiões dos Portais de Maya que passagens ocultas que pulsam em árvores centenárias, lagos espelhados e até mesmo nas fissuras das rochas. Cada portal a leva a dimensões, onde espíritos da natureza negociam a sorte da ilha. Nas noites em que a lua se esconde atrás de véus de nuvens, ela atravessa o Portal das Sete Cidades de Fora. Lá, recolhe oferendas deixadas por pescadores arrependidos e renova pactos antigos com as entidades aquáticas.
No *igarapé da Dona Nazaré, onde as águas cristalinas cantam, sua presença é anunciada por um silêncio abrupto. Os grilos calam-se, e o vento carrega o perfume de flores que não existem nesta realidade — um sinal de que ela está selando brechas entre os mundos, impedindo que forças oportunistas se infiltrem. Os mais velhos da vila sussurram que, nas marés mortas, quando o tempo parece parar, ela deixa pegadas luminosas na lama, que se apagam ao primeiro raio de sol.
Recentemente, porém, os Portais de Maya têm tremido. Há rumores de que novos intrusos, movidos por ambições que desafiam a lógica da ilha, buscam corromper os caminhos entre os mundos. A Índia da Meia-Noite, agora, viaja mais longe do que nunca. Enquanto protege Mayandeua, adentra portais desconhecidos, onde encontra outras guardiãs ancestrais — como a filha da Princesa, entidade do Lago de Algodoal, e a Senhora das Raízes, que dorme sob as dunas da Praia da Princesa. Juntas, urdem uma rede de proteção que ultrapassa as fronteiras da ilha. Os caçadores que a viram recentemente juram que seus olhos agora brilham e que seu canto, antes um sussurro, ecoa em línguas antigas que despertam sementes adormecidas no solo. Alguns até afirmam que, ao desaparecer, ela deixa para trás mudas de bacurizeiros.
E assim, nas noites de lua nova, quando até as marés se calam, quem ousar aproximar-se da Pedra Chorona verá, na névoa, o vulto de uma mulher com uma coroa de raízes luminosas, desaparecendo entre as pedras... sempre á meia-noite. Enquanto o vento traz sua mensagem final: "A ilha respira. Respeite seu ciclo."
- E assim Primolius termina mais uma história de Maya.
FIM
Copyright de Britto, 2020.
Projeto Literário e Musical Primolius N° 0227


