* Nº 0166 - AS NOITES DE CHUVA DE MAYA - SÉRIE: CRÔNICAS DE MAYANDEUA
Era uma noite de céu incerto, oscilando entre o desabar ou chorar suavemente. Palmeiras altas, como vigias imponentes, erguiam-se sobre a extensão verde da Amazônia, testemunhando a chuva que caía em ritmo ancestral. A terra absorvia cada gota, como um convite ao alívio. Os furos, lagos e marés com as suas águas mornas, frias, rápidas e lentas, cortavam as margens encharcadas, enquanto a vida silvestre movia-se ao compasso das folhas balançadas pela tempestade.
A linguagem daquele lugar era feita de odores, ruídos e sussurros. A lua (tímida em algum lugar) iluminava brevemente os cantos obscuros; a chuva narrava lendas para as redes de dormir nas varandas simples. O sono era profundo, trazido pela brisa úmida que entrava pelas janelas mal ajustadas. Versos fragmentados pelo vento ecoavam memórias compartilhadas, nascidos nas entranhas da coletividade.
As águas em coro invisível de gotas que ressoavam na mata. As redes balançavam, embalando corpos exaustos do trabalho. Homens permaneciam imóveis, rendidos à melodia da chuva. Mulheres cuidavam dos filhos, trocando fraldas de pano e acalmavam choros com beijos. No ar, o cheiro de café misturava-se ao da carimã, enquanto o odor amargo da madeira molhada, da terra batida e da lenha queimada pairava.
Insetos zumbiam, marcando braços e pernas. Lampiões frágeis, alimentados por geradores velhos, projetavam luzes tremulas nas paredes de taipa. O vento batia na porta, como quem deseja participar daquele instante entre homens e natureza. Chovia sobre as águas e sobre recordações de amores distantes. Um caboclo, com olhos perdidos no horizonte, deixava cair cinzas de seu "porronca" . Um poeta rabiscava versos em um caderno, capturando a chuva, o rio, as vidas que pulsavam naquele espaço.
Na palhoça, todos dormiam enquanto a chuva rareava. O som das gotas enfraquecia, tornando-se um murmúrio distante. Fora, uma panela coletava as últimas gotas da tempestade. Cada chuva trazia uma lição única. Assim, no canto do mundo onde o tempo caminhava devagar, a chuva se foi, deixando a terra renovada, o cheiro de folhas lavadas e o silêncio pós-temporal. Prometia um novo dia, marcado pela natureza: generosa e implacável. Restavam apenas o eco das águas e a certeza de que, mesmo na turbulência, havia beleza nas goteiras e no vento.
- Poeta todo encolhido!
FIM
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Projeto Literário e Musical Primolius N° 0166