* Nº 0058 - BOI VERMELHINHO DO NORTE - SÉRIE: CRÔNICAS DE MAYANDEUA

 


( Direto de Mayandeua)

O termômetro da alma marcava “festa”. No arraial  do interior, o ar se espalhava com os aromas agradável de milho assado e tacacá, do quentão fumegante e da terra úmida, temperado pelo perfume doce da esperança. Um turbilhão de cores e sons pintava a noite, orquestrado pelos balanços das bandeirinhas e pelo zumbido incessante de conversas e risadas. No epicentro daquela ebulição, ele reinava: o Boi Vermelhinho, majestade  de um reino permanente  de alegria.

O bumba-meu-boi, figura mítica e ancestral, pulsava com a energia da comunidade. Os acordes vibrantes das percussões , carregados de história e emoção, convidavam o corpo a se entregar à dança, a esquecer as agruras do cotidiano. Meninos descalços, verdadeiros cometas infantis, riscavam o terreiro com seus saltos e piruetas, a cada cambalhota um grito de liberdade ecoando no silêncio da noite.

“Cordão cheiroso! Cordão odoroso!” A cantilena, mantra festivo, exaltava a beleza e a riqueza daquele ritual. O Boi Vermelhinho, em meio à multidão, era mais que uma estrutura de cipós, varas, papel  e panos; era o fio condutor que unia gerações, o símbolo da identidade cultural, a personificação da resistência daquele povo.

De repente, o céu se incendiou. O Benezinho, mestre pirotécnico, presenteava o arraial com um festival de luzes e cores. Cada explosão, uma prece silenciosa, uma bênção divina. Dona Raimunda, sentada em seu trono de palha, os olhos marejados de emoção, acompanhava o bailado do boi com palmas ritmadas. "Echa!", exclamava, a voz embargada pela nostalgia e pela gratidão. A festa, teimosa, resistia ao tempo, preservando a chama da tradição em meio à modernidade.

O frenesi,  cedia lugar ao cansaço. A meninada, exausta mas feliz, buscava refúgio nas redes estendidas nas varandas, embalada pelo sono. A lua, testemunha silenciosa daquela noite festiva, banhava o arraial com sua luz prateada, transformando-o em um cenário único. O Boi Vermelhinho, exausto de tanto dançar, descansava merecidamente. No canto do terreiro, as brasas da fogueira crepitavam, palco para as conversas saudosistas dos mais velhos, que revisitavam memórias de festas passadas. Os mais jovens, irredutíveis, prolongavam a brincadeira, rabiscando o chão com as cinzas e inventando travessuras.

“Cordão cheiroso! Cordão perfumado!” O refrão ecoava, como um lembrete de que aquela noite, gravada a fogo na memória, jamais seria esquecida. Era a sinfonia de infâncias preservadas, de momentos mágicos que se perpetuariam na alma daquela comunidade.

E, como em toda boa história, o mistério se fazia presente. Um sussurro no ar anunciava o retorno do Boi Vermelhinho na próxima festança. Era uma promessa, a garantia da continuidade da tradição. Foi ali, sob a luz da lua e o calor da fogueira, que Polyus conheceu a Morena, a Catirina de sua vida. Seus olhos cintilavam como as estrelas e seu sorriso guardava segredos que o tempo, paciente, se encarregaria de revelar.

O Boi Vermelhinho partia, deixando para trás um rastro de alegria e esperança, a certeza de que a festa, a cultura e a vida continuariam a ser celebradas. Até o próximo ano, arraial da fé!

E foi assim, sob a magia do Boi Vermelhinho, que a Morena (Catirina) cruzou o caminho daquele caboclo de Primavera.


FIM

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Projeto Musical e Literário Primolius Nº 0058




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