* N° 0909 - CENAS DIÁRIAS DE CAMBOINHA - SÉRIE: CRÔNICAS DE MAYANDEUA



Em Camboinha, cada amanhecer é uma sinfonia que emerge delicadamente do silêncio da noite. Não é apenas uma transição de luz, mas uma celebração íntima e harmônica da natureza, onde o despertar das árvores e das ondas é acompanhado pelos primeiros cantos dos pássaros, transformando a paisagem em um concerto matinal. A vila, com suas casas simples à beira-mar, torna-se palco de uma composição contínua e sublime, em que os pássaros assumem o papel de maestros invisíveis, tecendo uma melodia que atravessa o ar fresco e alcança o coração de cada habitante.

O som que ecoa nas manhãs é mais que uma simples sequência de notas. É um poema etéreo, uma manifestação viva do universo, como se cada canto fosse um verso que narra o cotidiano em sua forma mais pura. Para os moradores, esse canto é essencial, assim como o vento leve que sopra do oceano e o aroma salgado que se mistura com o cheiro de café fresco. Ele não é um ruído a ser ignorado, mas uma trilha sonora indispensável, guiando os primeiros passos de cada novo dia.

À medida que os primeiros raios  atravessam o céu, ainda manchado com tons suaves de rosa e azul, a luz escorre pelas copas das árvores e desperta os pássaros, que se juntam em uma orquestra matinal. Cada espécie, com seu trinado distinto, compõe uma parte essencial dessa tapeçaria sonora que envolve toda a vila. As notas flutuam pelas janelas abertas, invadem varandas de madeira e se alojam nas mentes ainda sonolentas dos moradores, criando um cenário onde luz e som se entrelaçam para dar boas-vindas ao novo dia.

Nas varandas, as cadeiras, redes e tamboretes continuam seu movimento compassado, acompanhando a brisa suave que vem do mar. As samambaias, suspensas e verdes, dançam ao sabor do vento, suas folhas vibrando como se também fizessem parte da sinfonia. Os moradores, com xícaras fumegantes em mãos, observam o nascer do sol filtrado pelas folhas, criando sombras que se movem como uma coreografia silenciosa. É um momento de introspecção, onde o espírito encontra paz, embalado pela simplicidade e harmonia do ambiente.

Para os pescadores, o canto dos pássaros é um presságio de boa sorte. Com suas redes cuidadosamente dobradas e as rabetas prontas para zarpar, eles sentem que cada melodia é uma bênção, um lembrete de que o equilíbrio entre o mar e a terra será mantido. As crianças, por sua vez, correm descalças pela areia fria, seus risos se misturando com o canto dos pássaros. De vez em quando, param para ouvir, como se estivessem captando uma mensagem secreta nas melodias da manhã.

Até as ondas parecem entender seu papel na sinfonia. Elas se aproximam e se afastam da costa em um ritmo harmonioso, como se seguissem as batidas de uma partitura invisível. O som da água encontra seu lugar entre os cantos das aves e o farfalhar das folhas, compondo uma melodia que abraça a alma de quem vive ali. É uma música natural, nascida do encontro perfeito entre os elementos da natureza e o pulsar da vida humana.

A cada amanhecer, o poema diário dos pássaros se renova, oferecendo uma nova perspectiva para quem o escuta. Para alguns, é um lembrete de que a vida é bela em sua simplicidade. Para outros, é uma oportunidade de refletir sobre o passado, encontrar serenidade no presente e renovar esperanças para o futuro. Cada trinado carrega consigo a promessa de transformação, clareando pensamentos e suavizando emoções. Conforme o sol se ergue e a vila desperta para suas atividades cotidianas, os sons dos pássaros continuam a ecoar, agora misturados com as conversas animadas dos mercados e o som dos remos cortando a água. Mas, por mais que a rotina avance, o canto das aves permanece como um fundo constante, lembrando a todos da conexão profunda entre o ser humano e o mundo natural.

Viver em Camboinha é como participar de uma poesia interminável. Cada manhã é um verso inédito, e cada dia, um novo capítulo dessa composição de beleza e harmonia. O canto dos pássaros é um convite à contemplação, um lembrete de que a vida é um ciclo contínuo de renovação. Ao escutá-los, os moradores não ouvem apenas sons, mas a essência da vila, onde a natureza e a humanidade coexistem em uma dança delicada e eterna.  E assim, o poema diário de Camboinha se desenrola, verso a verso, canção a canção, trazendo serenidade e alegria para aqueles que têm o privilégio de habitar sob essa melodia. Mais do que uma simples música, o canto dos pássaros é uma mensagem de conexão, amor e pertencimento. É na simplicidade do amanhecer, onde a luz e o som se encontram, que reside a forma mais pura de felicidade.

- E assim te escrevo mais esta!


FIM

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Projeto Literário e Musical Primolius Nº 0909

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