* N° 0905 - SONHO DE BORBOLETAS - SÉRIE: CRÔNICAS DE MAYANDEUA
Na janela de um prédio, em uma cidade onde os carros passavam em alta velocidade, havia um pequeno casulo preso à quina do parapeito. Era fácil ignorá-lo, tão pequeno, tão frágil, quase invisível em meio ao concreto, ao aço e ao barulho ensurdecedor das buzinas e motores que preenchiam a vida abaixo. Mas ali estava ele, quieto, balançando levemente a cada sopro de vento que conseguia escapar entre os arranha-céus. O casulo parecia um ponto de silêncio num mundo que corria sem parar, como se a natureza insistisse em manter seu próprio ritmo, mesmo em meio à pressa humana.
Dentro do casulo, o bicho ouvia o vento. Podia sentir as vibrações que percorriam o ar, como sussurros de uma vida que ele ainda não conhecia, mas que ansiava tocar. As ondas sonoras das ruas agitadas chegavam até ele como ecos distantes de uma realidade que não lhe pertencia, mas que, de certa forma, também fazia parte do seu despertar. Os motores rugiam, os pneus rangiam, e o vento, cansado de correr entre os prédios, fazia uma pausa breve para contar suas histórias ao pequeno ser que ali se encontrava. E o bicho, em seu estado de espera, sonhava com asas.
Na calçada abaixo, as pessoas apressavam-se em passos rápidos e olhar fixo, como se cada segundo perdido pudesse custar-lhes um pedaço da vida que buscavam. O mundo era um caos ordenado de compromissos e metas, um vaivém incessante de rostos que já não se olhavam, que não se percebiam. E, entre um semáforo e outro, a vida passava, veloz, como os carros que cortavam as avenidas, como se todos soubessem que não havia tempo para parar, que não havia tempo para ser inocente.
Mas o casulo não tinha pressa. Estava ali, na sua imobilidade aparente, cumprindo um destino que a cidade não compreendia. O bicho não sabia quando seria a hora certa, mas sabia que ela chegaria. O vento havia contado, com seu toque leve, que o tempo tinha seu próprio compasso, que não podia ser forçado, que não respondia aos relógios que ditavam o ritmo do concreto e do asfalto. E assim, enquanto o mundo corria, o bicho esperava, mergulhado em seu sonho silencioso de liberdade.
E foi em um desses dias em que a pressa parecia ser a única resposta, que o casulo começou a rachar. Uma pequena fissura, quase imperceptível, começou a se abrir, e o primeiro raio de luz tocou a pele delicada do bicho que se transformava. O som dos carros continuava lá embaixo, e as vozes da cidade permaneciam altas e agitadas, mas, naquele instante, tudo se silenciou para ele. Porque, pela primeira vez, sentiu o toque do vento não como uma promessa distante, mas como um convite real para o mundo que esperava.
Lentamente, como quem descobre seu próprio corpo, ele foi emergindo, suas asas ainda molhadas e frágeis, tentando abrir-se ao espaço que a cidade lhe oferecia. Lá embaixo, ninguém notou. A vida seguia, implacável e apressada, ignorando o milagre que acontecia em meio ao caos. Mas o bicho, agora borboleta, não precisava de aplausos ou de olhares. Com um último esforço, soltou-se do que restava do casulo e sentiu o ar ao seu redor. No primeiro voo, ainda hesitante, sentiu a liberdade em sua forma mais pura. O vento o carregava pelas alturas, e ele sobrevoou a cidade que nunca parava. Lá de cima, os carros pareciam pequenos, e as pessoas, manchas em movimento. Ele compreendeu, então, que a pressa da cidade era um ciclo que não precisava ser seu. Porque ele, que havia nascido em silêncio, que havia sonhado com asas quando todos estavam ocupados demais para sonhar, agora estava voando.
E enquanto a borboleta desaparecia no horizonte, levada pela brisa que sabia o caminho, a cidade continuava. Os carros ainda corriam, as pessoas ainda se apressavam, e os semáforos ainda ditavam o ritmo do que era urgente. Mas, ali, naquele parapeito alto, uma casca vazia balançava, lembrando que, mesmo no coração da pressa, há um tempo que é só nosso. Um tempo de sonhar com asas, um tempo de ouvir o vento e esperar, até que o momento certo nos encontre.
- E no instinto da borboleta, um só objetivo....
- Chegar em Mayandeua o mais rápido possivel!
FIM
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Projeto Literário e Musical Primolius Nº 0905