* N° 0895 - SINFONIA DE TEMPESTADE - SÉRIE: CRÔNICAS DE MAYANDEUA
Na melodia do pássaro, que canta com um tom suave, um eco distante desperta das profundezas do horizonte. O som parece acariciar o céu, que momentos antes era sereno e azul, mas agora se desfaz lentamente, como se estivesse sendo apagado por mãos invisíveis. As nuvens, pesadas e densas, começam a se reunir, formando um manto sombrio que engole a luz do dia e oculta os segredos antigos do mar. Algo está mudando na natureza, um aviso silencioso de que a tempestade avança.
O vento, que antes era apenas uma brisa sussurrante, toma fôlego e sopra com força, carregando consigo a energia de terras distantes e sal. Ele parece agitar tudo o que toca, como se estivesse correndo para avisar o mundo sobre a chegada de algo grandioso e inevitável. Os mangueiros balançam num frenesi apressado, suas copas dançando de um lado para o outro, enquanto folhas, desprendendo-se de seus galhos, são levadas pelo ar. Memórias dispersas, flutuando como se fossem fragmentos de palavras esquecidas.
Nesse cenário tumultuoso,o pássaro eleva sua voz. Seu canto, que antes era suave e harmonioso, torna-se agora um diálogo urgente com o mundo ao seu redor. Cada nota parece carregar tanto o peso de um aviso quanto a leveza de uma despedida. Como se o pássaro soubesse que a natureza está prestes a mudar de maneira irreversível, e seu canto é o último elo entre o céu e a terra antes que o caos reine. E, à distância, o velho farol desperta, sua luz brilhando tímida no início, mas firme.
No horizonte, as ondas de Mayandeua começam a se erguer como colossos, moldando-se em formas selvagens e indomáveis. O mar, que antes sussurrava sua calmaria, agora exala profundamente, revolto e cheio de força. Suas mãos espumosas se estendem em direção as dunas, numa tentativa de tocar tudo o que encontra pela frente. O farol, com seu facho luminoso, corta a escuridão com precisão, como uma lâmina de luz, rasgando o véu da tempestade iminente. É um farol de esperança, uma guia solitária para aqueles que navegam em meio a sonhos e tormentas.
E então, num instante abrupto, o canto do pássaro silencia. O vento se torna mais insistente, assobiando nas frestas das janelas e nas pedras do farol, como se cantasse canções que evocam noites de outras eras, tempos esquecidos. A chuva começa a cair, constante e firme, como se estivesse tentando apagar o tumulto ao redor. Cada gota que se lança contra as superfícies parece o toque de dedos impacientes, marcando o tempo que avança sem piedade. O farol, guardião do tempo, permanece firme, sua luz incansável, iluminando o mar que grita e soluça em suas ondas violentas. A tempestade está aqui!
No auge da tormenta, quando os trovões rugem como bestas adormecidas despertando de seu longo sono e os relâmpagos rasgam o céu de Maya em clarões de luz branca, o farol permanece imóvel. Sua luz, um lembrete silencioso de que, mesmo no coração da escuridão, sempre haverá claridade. O mundo ao seu redor pode estar desmoronando, mas o farol resiste, como quem sussurra uma verdade inabalável: o caos é temporário, e a luz, eterna.
O pássaro, aninhado em seu abrigo de galhos e folhas, aguarda. Ele não canta mais. Agora, observa e sente. Seu corpo pequeno se aconchega, protegendo-se da fúria da tempestade, mas sua alma sabe que o primeiro raio de sol virá. Ele será o sinal de que, assim como todas as tempestades que vieram antes, esta também passará. Quando a tormenta finalmente se retira, deixando um rastro de silêncio e serenidade, o mundo Maya começa a se recompor. O mar, ainda agitado, acalma-se aos poucos. Os mangueiros, que antes dançavam em pânico, recuperam sua postura imponente, como soldados após uma longa batalha. E o velho farol, que permaneceu vigilante durante toda a noite, continua a brilhar, mas agora com uma luz que parece mais suave, como se também tivesse sobrevivido à prova.
O pássaro, em silêncio, prepara-se para uma nova canção. Suas asas se abrem lentamente, enquanto o céu, agora límpido e claro, acolhe a luz suave da manhã que desponta. O horizonte, que antes estava oculto por sombras e ondas ferozes, agora revela sua beleza renovada. O pássaro, com seu pequeno corpo mas grande espírito, sabe que o momento de cantar novamente chegou.
Assim o mundo de Maya, renovado, respira com esperança.
- Assim Narrou Primolius!
FIM
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Projeto Literário e Musical Primolius Nº 0895