* N° 0888 - CONVERSAS DE CHUVA E MAR - SÉRIE: CRÔNICAS DE MAYANDEUA

 


Yterus, desde criança, já descobria que muitos pássaros nasciam para voar, mas parecia que ninguém lhes havia dito para onde deveriam ir. Asas coloridas, fortes e vibrantes, prontas para explorar o desconhecido, mas sem uma rota definida. Yterus, em sua curiosidade sem fim, acreditava que talvez essas asas os levassem mais próximos de uma ilha, ou quem sabe até um cais perdido, um porto seguro em meio a pensamentos dispersos. Ele mesmo, ao observar essas aves, sempre imaginava para onde o destino as sopraria. Nas noites calmas, entre os telhados das casas de sua cidade, Yterus subia até a varanda com sua família. Lá, entre goles de café amargo e sorrisos trocados, eles assistiam o céu estrelado. As estrelas brilhavam intensamente por entre as nuvens e os prédios ao longe, e enquanto as luzes piscavam no alto, discutiam sobre o motivo das coisas — como os sonhos, os medos e os mistérios do mundo. Essas conversas sempre tinham como trilha sonora uma canção dos anos oitenta que tocava ao fundo, preenchendo o ar com uma nostalgia que Yterus, mesmo sendo tão jovem, já parecia compreender profundamente.

A infância de Yterus também era marcada por outro espetáculo natural: as chuvas e os relâmpagos. Ele nunca enxergou esses fenômenos como algo trivial. Cada tempestade que caía, para ele, era um evento, quase uma celebridade, cada uma com suas "proezas". Algumas eram rápidas e intensas, outras demoravam a chegar, mas deixavam a terra encharcada por horas. E era justamente nessas tardes de chuva que Yterus e seus amigos se sentiam mais vivos. O campo de futebol no bairro se transformava em um palco onde a chuva tornava o jogo mais divertido e imprevisível. A bola escorregava pelo campo enlameado, as crianças deslizavam pelo chão com risos de aventura, e o futebol moleque virava uma verdadeira batalha entre amigos. Yterus adorava esses momentos. Ele acreditava que era a chuva que dava um toque especial às suas tardes. Ela transformava o comum em algo extraordinário, e os amigos, com o espírito de aventura, aguardavam ansiosamente por cada tempestade, sabendo que o campo molhado era o lugar perfeito para novas histórias.

Mas o tempo passou. Os pássaros, as estrelas e as chuvas, que um dia foram tão presentes, pareciam agora estar distantes. A vida o empurrara para além do que ele podia ver quando criança, para além do grande mar que dividia o passado do presente. Yterus, agora mais velho, compreendia que as coisas simples que ele vivia antes — as tardes chuvosas, os pássaros livres, os cafés na varanda — faziam parte de algo muito maior: eram fragmentos de sua própria jornada de descoberta. Hoje, Yterus olha para trás e vê que tudo o que viveu fez parte de um caminho que o levou a entender que as ilhas, aquelas que antes pareciam distantes no horizonte de seus sonhos, são, na verdade, os lugares onde ele sempre pertenceu. Ele reconhece que cada ilusão, cada estrela distante, o trouxe até aqui — até suas próprias ilhas interiores, aqueles lugares que existem entre a memória e a realidade, onde ele encontrou seu verdadeiro lar.

E assim, Yterus descobre que não são apenas os pássaros que precisam encontrar seu caminho, mas também nós. Afinal, todos temos nossas asas, sejam elas de pensamento ou de sonho, prontas para nos levar até onde o coração nos guia. As ilhas que ele tanto buscou no horizonte, ele as encontrou em si mesmo.

- Casos Mayandeuenses!  


FIM

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Projeto Literário e Musical Primolius Nº 0888


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