* N° 0884 - TEMPESTADE MAYANA - SÉRIE: CONTOS DE MAYANDEUA
Assim que o vento forte atravessou a paisagem, os campos se curvaram sob sua fúria, e o tempo, em um capricho misterioso, hesitou. Não apenas hesitou, mas se fez quase invisível, como se um véu de silêncio o envolvesse. Era como se tudo ao redor estivesse suspenso, num instante de pausa entre o que já havia sido e o que estava por vir. O vento, inquieto e imprevisível, criou e destruiu vidas, sonhos e esperanças, num ciclo incessante de nascimento e morte. Jornadas exaustivas consumiram a estranha hora em que a própria realidade parecia oscilar entre o possível e o improvável. E ele, o observador dos absurdos e dos mistérios das palavras, contemplava o espetáculo silencioso e terrível: o tempo, aquele que constrói e destrói, dilapidando os alicerces que outrora pareciam imutáveis.
Com o passar das horas, o tempo, iracundo, erguia-se como um monstro invisível, corroendo o que havia sido construído. A paisagem, antes familiar, agora se tornava um reflexo distorcido de sua memória. O vento, por sua vez, não apenas rugia, mas se manifestava em sete cores, como se as forças naturais estivessem alinhadas em algum tipo de encantamento místico. Tambores começaram a ressoar ao longe, ecoando como um chamado antigo, reverberando entre as montanhas e o céu turbulento. Raios cortavam as nuvens, e a tempestade, como um ritual, transformava o horizonte em um palco onde deuses esquecidos eram convocados, respondendo ao chamado das batidas cadenciadas. O ar se preenchia com a maresia de Algodoal, densa e carregada, trazendo consigo o cheiro salgado do oceano e o murmúrio de ondas que jamais dormem.
Era como se o próprio mar estivesse conspirando com os ventos e as luzes para revelar segredos que o tempo, durante tanto tempo, guardara. Objetos começaram a voar, vindos de direções imprevisíveis, como mensageiros de eras passadas. Fragmentos de histórias esquecidas flutuavam pelo ar, se entrelaçando no ritmo frenético dos tambores e das correntes de ar. Então, surgiram as sereias, emergindo das águas revoltas, suas formas ondulando entre as espumas, carregando promessas e segredos. Suas vozes, encantadoras e ancestrais, misturavam-se ao som dos tambores, num canto que falava de revelações guardadas no fundo do oceano e de encontros aguardados por séculos. Eram as guardiãs do mistério que o mar sussurrava, trazendo consigo o peso de histórias que só a maresia poderia contar.
O tempo, que antes parecia adormecido, despertou com uma nova energia, uma força renovada que parecia reger tanto o vento quanto as marés. E ele, aquele que testemunhava tudo, inclinou-se sobre seus papéis, tentando capturar a essência daquele momento indescritível. Escreveu, então, o poema que falava daquilo que os olhos viam, mas o coração apenas pressentia.
O vento, por fim, recolheu-se em algum ponto distante do horizonte, como se exaurido de seu próprio poder, enquanto o céu ainda brilhava com as luzes da tempestade. O mar, inquieto, continuava a lançar ondas sobre a praia, onde o silêncio começava a retornar, embora ainda ressoassem ao longe os tambores, como ecos de algo muito maior. E assim, como se o próprio universo quisesse repousar, o poema adormeceu. O tempo adormeceu. O mundo adormeceu. Até Deus, cansado de observar o destino, adormeceu. O silêncio, amante da paz, reinou absoluto.
A maresia de Algodoal continuava a envolver a memória, enquanto a areia, fria sob os pés, parecia carregar o peso de todas as histórias não contadas. E ele, cansado, entregou-se ao sono que vinha, um sono profundo e cheio de sonhos sobre mistérios e revelações. Mas o tempo, sempre incansável, despertou antes de todos. O sol se pôs mais uma vez no horizonte, agora à beira-mar, enquanto a lua já brilhava alta no céu. A praia, envolta em uma luz prateada, ainda ecoava as batidas dos tambores ao longe, como um eterno chamado àqueles que ainda sonhavam. Sereias, deuses, segredos e revelações pairavam no ar. Era o começo de mais uma jornada, mais uma história guardada no vento e no tempo que jamais cessa.
FIM
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Projeto Literário e Musical Primolius Nº 0884