* Nº 0879 - O CACHORRO - MUCURA - SÉRIE: CONTOS FANTÁSTICOS DE MAYANDEUA
Em uma pequena casa situada à beira de algúm campo dos lagos de Camboinha, existia um fato que todos os moradores conheciam e temiam. Era uma história do cachorro que se transformava em mucura, um ser mágico cuja existência estava envolta em mistério e medo. Este cachorro, de nome nunca revelado, aparecia sempre às segundas-feiras, e sua chegada era precedida por sons estranhos e perturbadores.
Nas noites de segunda, um assobio agudo cortava o silêncio da vila, seguido pelo latido profundo e ecoante do cão. Este som reverberava pelos campos, carregando consigo uma sensação de inquietação. Em seguida, o barulho macabro de dentes se chocando, como se a própria noite estivesse mastigando a escuridão, enchia o ar. Era o sinal de que o cão estava se aproximando. Diziam que o cachorro, grande e de porte robusto, possuía uma força descomunal. Sua pelagem era negra como a noite sem estrelas, e seus olhos brilhavam como chamas em brasa. Apesar de sua aparência intimidadora, o cão nunca atacava os habitantes da vila. Ele vagava pelos campos, especialmente ao redor dos lagos, onde sua presença se tornava ainda mais enigmática.
O mistério aumentava quando, ao alcançar uma certa parte do campo, o cachorro se virava em mucura, uma criatura parecida com um gambá, mas dotada de uma agilidade e esperteza sobrenaturais. A mucura desaparecia na vegetação rasteira, e somente o silêncio voltava a dominar a paisagem. Era como se o próprio cão fosse absorvido pela terra, deixando apenas os rastros de uma presença que ninguém conseguia explicar. Durante anos, os moradores passaram a evitar os campos nas noites de segunda-feira. Alguns acreditavam que o cão era uma maldição, enquanto outros pensavam que ele era um espírito guardião dos lagos, protegendo o que quer que estivesse escondido nas águas profundas de certos lagos nos arredores. Crianças eram avisadas para nunca se aproximarem dos campos à noite, pois os rumores diziam que quem ouvisse o assobio, o latido e o estalar dos dentes do cão nunca mais seria o mesmo.
A história tomou um rumo ainda mais fascinante quando, certa noite, um pássaro mágico, conhecido pelos nativos como o Pássaro da Noite, foi avistado na Trilha Encantada de Camboinha. Este pássaro, de plumagem iridescente e olhos que refletiam as estrelas, era conhecido por trazer mensagens dos mundos além do nosso. Ele pousou na árvore mais alta da trilha e começou a cantar uma canção antiga, cheia de significados ocultos.
Os mais corajosos da vila se aproximaram para ouvir, e foi então que o pássaro revelou o segredo do cão misterioso. “Esse cão pertence às estrelas,” disse o pássaro com uma voz suave e melódica. “Ele não é deste mundo, mas sim um guardião celestial, enviado para proteger o equilíbrio entre a terra e os céus. Sua transformação em mucura é o símbolo de sua conexão com os espíritos da natureza. Ele ronda os lagos para assegurar que as águas permaneçam puras e as estrelas sigam brilhando sobre Camboinha.”
Com essas palavras, o mistério do cão se aprofundou ainda mais. Agora, a lenda do cachorro que se virava em mucura não era apenas uma história de medo, mas também de reverência e respeito. Os moradores começaram a ver o cão não como uma ameaça, mas como um protetor, um elo entre o mundo terreno e o universo estrelado. E, todas as segundas-feiras, quando os sons familiares cortavam o ar, a aldeia sabia que seu guardião estava a postos, cumprindo seu papel.
E assim, esta narrativa viveu, contada e recontada à luz dos fogareiros da Vila de Camboinha.
Histórias desta terra: Mayandeua!
FIM
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Projeto Literário e Musical Primolius Nº 0879