*Nº 0875 - O BEM- TE - VI E O ARACUÃ DO MANGUEZAL - SÉRIE: CONTOS FANTÁSTICOS DE MAYANDEUA

 

No coração de um manguezal vibrante, onde o sol mal conseguia penetrar através da densa copa das árvores, vivia um Bem-te-vi chamado Pitangus. Sua plumagem era escura, e seu peito, amarelo como o ouro, contrastava com um colar branco que reluzia à luz difusa. Seu bico, longo e forte, não era apenas uma ferramenta para caçar e explorar, mas também uma arma para defender o território sobre o qual ele reinava. Conhecido por seu grito inconfundível de "bem-te-vi! bem-te-vi!", Pitangus era o vigia incansável dos arredores, alertando a todos ao menor sinal de perigo.

Nas sombras daquele mesmo manguezal, onde as raízes submersas formavam labirintos intricados, habitava o enigmático Aracuã. Poucos o viam. Ele era um ser que preferia as sombras e o silêncio. Seu canto, um murmúrio baixo que ecoava entre os troncos úmidos, carregava um mistério antigo, como se guardasse os segredos do próprio mangue. Ao contrário de Pitangus, que desfrutava da luz e dos espaços abertos, o Aracuã movia-se furtivamente entre as sombras, conhecendo cada esconderijo e cada trilha oculta sob a densa vegetação, próximo às casas dos caranguejos.

Mas a tranquilidade do manguezal foi quebrada pela chegada de um grande gavião. Suas garras afiadas e o voo poderoso lançavam uma sombra ameaçadora sobre todos os pequenos habitantes do mangue. A cada batida de suas asas, o medo se espalhava, e até as águas turvas pareciam se retrair diante de sua presença. 

Pitangus, embora pequeno, era destemido. Observava os movimentos do gavião com seus olhos penetrantes e sabia que precisava agir para proteger seu lar e os seres que dependiam dele. As histórias dos antigos, que ele ouvia desde filhote, ecoavam em sua mente — narrativas de antepassados que enfrentavam gaviões em batalhas aéreas. E foi num desses dias, com o sol filtrando-se timidamente pelas nuvens, que o Bem-te-vi lançou seu grito de guerra: "bem-te-vi! bem-te-vi!", desafiando o intruso.

Com um voo ágil e veloz, ele se lançou contra o gavião, atacando-o com precisão e astúcia. O grande predador, pego de surpresa pela audácia do pequeno pássaro, tentou várias vezes capturá-lo, mas o Bem-te-vi, como uma sombra alada, escapava de suas garras com a destreza de quem conhecia o céu como a palma de sua asa.

O Aracuã, até então oculto entre as raízes e sombras, observava a batalha. Em seu canto sereno e quase sobrenatural havia algo mais do que simples notas musicais — uma força oculta, uma espécie de encantamento que agora reverberava por entre os troncos e folhas. Inspirado pela coragem do Bem-te-vi, o Aracuã resolveu intervir de maneira sutil e misteriosa. Emitiu seu canto, mas desta vez o som parecia emanar de todos os cantos do manguezal, confundindo o gavião e guiando-o para as áreas mais densas e emaranhadas, onde o voo se tornava impossível e a visão, limitada.

Juntos, o Bem-te-vi e o Aracuã formaram uma aliança improvável — um equilíbrio entre a coragem à luz do dia e a sabedoria das sombras. O gavião, exausto e confuso, finalmente desistiu, fugindo para longe daquele manguezal, onde cada galho, cada raiz, parecia conspirar contra ele. A paz foi restabelecida, e o manguezal voltou a pulsar com vida. Pitangus, vitorioso, retornou aos seus galhos favoritos, seu canto ecoando como uma canção triunfal. Mas, nas sombras, o Aracuã continuava seu canto, agora mais profundo. A amizade entre os dois pássaros tornou-se uma bela história, sussurrada entre as folhas ao vento, sobre coragem, mistério e a eterna vigilância dos heróis ocultos daquele manguezal, perto de Camboinha.

- Novos ventos entravam naquele lugar encantado! 

- Sina destas ilhas! 

(Dizem que este aracuã tem uma missão muito importante na ilha) 


FIM

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Projeto Literário e Musical Primolius Nº 0875


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