*Nº 0873 - O PESCADOR E O BANHO DE CHEIRO - SÉRIE: CONTOS FANTÁSTICOS DE MAYANDEUA

 

Bem nas margens do rio Marapanim, próximo à Camboinha, vivia um homem chamado Kolyus. Este rapaz era conhecido por suas habilidades excepcionais na pesca, sempre trazendo peixes abundantes para sustentar sua família e compartilhar com os vizinhos. Sua fama como pescador era tão grande que muitos vinham de longe para aprender seus segredos e técnicas. No entanto, certo dia, sua sorte mudou repentinamente. Nenhum peixe mais mordia suas iscas, não importava o quanto tentasse. Dia após dia, ele retornava à vila com suas redes vazias e o coração pesado. Desesperado, Kolyus começou a acreditar que havia sido vítima de um feitiço.

A vila, que antes o admirava, começou a sussurrar sobre a possibilidade de caiporismo, uma má sorte que poderia afetar qualquer um. Este cidadão, antes respeitado e confiante, passou a ser visto com pena. Seus amigos, temendo que a má sorte fosse contagiosa, se afastaram, e ele se tornou um homem solitário, com os olhos fixos no rio que antes lhe trazia tanta felicidade. Na noite de São João, muitas vilas se enchiam de celebrações. Era uma noite de fogueira, sorte e banhos. As pessoas pulavam a fogueira, jogavam as sortes e se purificavam no tradicional banho de cheiro, feito numa bacia com água misturada a ervas aromáticas, cascas cheirosas, flores e essências vegetais. O ritual tinha o poder de tirar o caiporismo, devolvendo os atributos perdidos aos “panemas”, aqueles que, como Kolyus, haviam perdido a sorte.

O pescador, em sua tristeza, não se sentia parte da festa. O som alegre das risadas e o calor das fogueiras pareciam distantes, como um eco de uma vida que ele não mais reconhecia. No entanto, sua avó, uma mulher sábia e conhecedora das tradições, não permitiu que ele ficasse à margem. "Kolyus, meu filho, faça o banho de cheiro. Pode ser que recupere sua sorte." Sem muitas esperanças, mas querendo honrar o conselho de sua avó, Kolyus aceitou.

No meio da noite, após os pulamentos da fogueira, o rapaz preparou sua bacia. Ele misturou cuidadosamente as ervas, cascas e flores, criando um aroma que lembrava tempos de paz e prosperidade. O perfume era tão reconfortante que, ao mergulhar as mãos na água perfumada, sentiu uma estranha calma invadir seu ser, como se as águas estivessem limpando não apenas seu corpo, mas também sua alma.

Enquanto fazia o banho de cheiro, algo incomum chamou sua atenção. Um brilho misterioso surgiu nas águas escuras do rio. Intrigado, ele aproximou-se da margem e, com surpresa, avistou uma bela sereia emergindo das profundezas. Seus longos cabelos ondulavam como correntes de água dourada, e seus olhos, profundos e brilhantes, refletiam a luz do sol da manhã, apesar da escuridão ao redor.

"Kolyus," ela chamou, com uma voz suave e melodiosa que parecia acariciar o ar ao seu redor, "sei do teu sofrimento. Um feitiço foi lançado sobre ti, mas eu posso ajudar-te a quebrá-lo."

O pescador Kolyus, surpreendido pela aparição e esperançoso diante da promessa de ajuda, perguntou o que precisava fazer para recuperar sua sorte. A sereia, com um sorriso enigmático, respondeu: "Faz-me uma promessa, Kolyus. Se tu me deres uma joia de grande valor para ti, eu devolvo-te a sorte na pesca."

O cidadão pensou por um momento. Ele não possuía riquezas materiais, mas havia uma coisa em sua posse que considerava inestimável: um pequeno anzol sem ponta de ouro que seu pai lhe dera, um amuleto de família passado de geração em geração. Aquele anzol simbolizava não apenas a herança de sua família, mas também o vínculo com seu pai, que havia falecido anos antes. Com um nó na garganta, Kolyus retirou o anzol do pescoço e, com mãos trêmulas, entregou-o à sereia. "Aqui está," disse ele, "a joia mais preciosa que tenho."

A sereia pegou o anzol com delicadeza, seus dedos finos deslizando pelo metal como se estivessem absorvendo a história que ele carregava. Ela mergulhou nas profundezas do rio, desaparecendo por um breve momento. Quando retornou à superfície, trazia consigo um pequeno frasco com uma essência vegetal, brilhando suavemente à luz da lua. "Mistura isto no teu banho de cheiro," disse ela, "e amanhã, ao nascer do sol, lança tuas redes novamente."

O rapaz agradeceu profundamente e fez conforme a sereia instruíra. Na manhã seguinte, com o coração cheio de esperança, ele foi até o rio. O sol ainda não havia completamente nascido, e a névoa pairava sobre as águas como um véu etéreo. Kolyus lançou suas redes com uma prece silenciosa, e para sua surpresa e alegria, as redes voltaram cheias de peixes, mais do que ele jamais havia visto. A notícia se espalhou rapidamente pela vila. Kolyus não apenas recuperou sua habilidade na pesca, mas também sua autoestima e o respeito dos outros. Os moradores que antes o haviam evitado agora o cercavam, desejosos de ouvir a história da sereia e do milagre que devolvera a prosperidade ao rio Marapanim.

A partir daquele dia, Kolyus nunca mais duvidou do poder das tradições e da magia que habitava as águas de Mayandeua. Toda noite de São João, ele repetia o ritual do banho de cheiro, não apenas para manter a sorte, mas como um gesto de gratidão e respeito pela promessa que fizera à sereia. E assim, aquele cidadão viveu em harmonia com o rio, sabendo que o verdadeiro valor não estava apenas na abundância que ele colhia, mas também nos laços invisíveis que uniam o homem, a natureza e o sobrenatural.


FIM

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Projeto Literário e Musical Primolius Nº 0873

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