*Nº 0853 - VIDAS E CAIS - SÉRIE: CRÔNICAS DE MAYANDEUA

 


Ao meio-dia, o cais revela suas entranhas à luz crua do sol, desnudando uma composição de contrastes: a beleza e a decadência entrelaçadas em um espetáculo visual. A vila pulsa ao fundo, mas aqui, à beira da água, o tempo parece parado, quase suspenso na brisa salobra que carrega o cheiro do mar. As águas, com seu movimento constante e hipnótico, são um teatro natural onde se encena a história das vilas e dos barcos. Os pescadores, senhores firmes e perseverantes, lançam suas redes com esperança. Ao lado, crianças brincam na água, suas risadas ecoando como sinos em um templo, parecendo peixes integrados ao ambiente aquático, inocentes e livres.

Cada pássaro que passa, cada onda que quebra na areia, carrega consigo fragmentos de poesia. O ar é pesado, denso com o cheiro do mar e da vida que se desenrola em suas margens. As casas à beira do oceano são espectadoras deste marujo sem capitão, estrangeiro em suas próprias palavras, navegando sem rumo certo. Os barcos, com seus nomes diversos, são como argonautas modernos, heróis de outrora; barcos de madeira, simples e resistentes; barcos de outra matéria, talvez sonhos, talvez memórias; barcos de náufragos, carregando histórias de derrota e esperança. Todos compartilham este espaço, movendo-se em um balé harmonioso.

Ao meio-dia, os pássaros do cais desenham trajetórias no céu, enquanto outras pessoas esperam por seus amores, em um ciclo eterno de partidas e chegadas. O mar, cinza e azul, consome os desejos e reflete as aspirações dos que o observam. Ao meio-dia, o cais se transforma num quadro vibrante de vida e contradições. A luz do sol, impiedosa e clara, lança sua veracidade sobre cada recanto, revelando histórias ocultas e segredos esquecidos. A umidade no ar, carregada de sal, gruda na pele como uma lembrança persistente da proximidade de reinos e encantos .

O velho cais, marcado pelo tempo, estende seus braços de madeira desgastada, acolhendo todos que chegam, sejam aventureiros em busca de novos horizontes ou almas perdidas à procura de um refúgio. As tábuas rangem sob o peso dos passos, contando, em seu ranger, histórias de chegadas e partidas, de encontros e despedidas. À sombra das velhas embarcações, homens e mulheres se juntam para trocar confidências e compartilhar esperanças. Ali, a vida se desenrola em sua forma mais pura, sem adornos ou pretensões. Cada rosto carrega marcas de uma jornada única, cada olhar reflete a dureza do trabalho e a doçura de sonhos que se recusam a morrer.

As crianças, alheias às preocupações dos adultos, correm e brincam, transformando o cais em seu próprio playground. Suas risadas cristalinas desafiam o ambiente árduo, trazendo um sopro de vida e inocência ao cenário. Como pequenos exploradores, elas desbravam cada canto, descobrindo tesouros nos lugares mais inesperados. No meio dessa vida pulsante, os pescadores preparam suas redes e embarcações. Seus movimentos são precisos, fruto de uma sabedoria transmitida de geração em geração. Para eles, o mar é tanto um meio de subsistência quanto um velho amigo, misterioso e imprevisível. Cada jornada é uma dança com o desconhecido, uma prova de coragem e resiliência.

À medida que o sol sobe no céu, o calor aumenta e o cheiro do mar se intensifica. As ondas lambem as margens, trazendo consigo fragmentos de mundos distantes. Cada concha, cada pedaço de madeira trazido pela maré conta uma história, um pequeno eco de vidas vividas em outras partes do mundo.

O meio-dia é uma celebração silenciosa da existência, uma pausa na rotina frenética. O cais, com sua combinação de beleza e rusticidade, torna-se um espelho da alma humana, refletindo nossas próprias contradições e nossa eterna busca por significados.

- Asas aquáticas de Maya!


FIM

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Projeto Literário e Musical Primolius Nº 0853

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