*Nº 0849 - HOJE, UMA PEDRA NO CAMINHO - SÉRIE: CONTOS FANTÁSTICOS DE MAYANDEUA
A Pedra Chorona, um oráculo raro e peculiar, repousa incrustada na base de uma imensa rocha, banhada pelas marés na grande ilha de Maya. Diz-se que essa rocha misteriosa derrama lágrimas em momentos de grande aflição ou presságios sombrios. Lidres, a anciã mais respeitada da comunidade de Camboinha, decidiu levar sua neta Cyony, uma menina de olhos grandes e curiosos, para conhecer a famosa Pedra Chorona. Cyony, que sempre ouvira as histórias contadas pela avó, mal podia conter a excitação.
— Vovó, pedras não têm sentimentos. Por que esta choraria? — perguntou Cyony, enquanto caminhavam pela trilha que levava ao local.
Lidres, com um sorriso enigmático, respondeu:
— Minha querida, nem tudo o que vemos com os olhos pode ser explicado. Há mistérios que só o coração entende.
Ao chegarem à pedra, Cyony ficou maravilhada com a beleza da paisagem. O mar, com uma claridade e força que se ouviam ao quebrar contra as areias daquela praia que antigamente se chamava Saleira, segundo a avó. Lidres se aproximou e, com reverência, tocou a pedra.
— Pedra Chorona, aqui estamos, trazendo a nova geração para conhecer seus mistérios — sussurrou a anciã, fechando os olhos como se ouvisse algo que Cyony não conseguia captar.
A menina observava atentamente, esperando algum sinal. De repente, uma brisa suave passou por elas, e Cyony sentiu como se algo invisível estivesse acariciando seu rosto. Olhou para a avó, que mantinha os olhos fechados, e depois para a pedra, tentando entender o que estava acontecendo.
Lidres abriu os olhos lentamente e disse:
— Cyony, cada lágrima desta pedra carrega uma história, uma emoção. Hoje, ela nos conta sobre a saudade dos que partiram, mas também sobre a esperança dos que ficam.
A menina, ainda confusa, mas fascinada, perguntou:
— Vovó, a Pedra Chorona pode nos contar o futuro?
A avó riu suavemente.
— Não exatamente, minha querida. Ela nos lembra do que é importante, do que devemos valorizar e do que nos une como comunidade. Suas lágrimas são um aviso para não esquecermos de onde viemos e para onde estamos indo.
Com o passar dos anos, Cyony cresceu, tornou-se uma jovem mulher, e a Pedra Chorona continuou a ser um ponto de peregrinação para os habitantes de Mayandeua. A cada visita, Cyony sentia uma conexão mais profunda com aquela rocha, como se pudesse ouvir seus lamentos e suas esperanças. E, assim como sua avó, passou a levar os mais jovens para conhecerem a pedra, perpetuando a tradição e o respeito por aquele oráculo natural.
Uma noite, durante uma tempestade feroz que assolava a ilha, Cyony teve um sonho perturbador. No sonho, a Pedra Chorona estava seca, suas lágrimas haviam se esgotado, e a ilha estava mergulhada em um silêncio aterrador. Ao acordar, ela sabia que precisava ir até lá, mesmo com o perigo iminente.
Enfrentando o vento e a chuva, Cyony chegou ao lugar encantado. A tempestade rugia, mas a pedra estava lá, firme e imponente. Ela se aproximou, tocou a superfície fria e murmurou:
— Pedra Chorona, estou aqui. Não chore sozinha.
E, como se atendendo ao seu apelo, a pedra começou a brilhar suavemente, suas lágrimas misturando-se com a chuva. Cyony sorriu, sentindo-se reconfortada. Sabia que, enquanto a Pedra Chorona chorasse, a ilha de Mayandeua continuaria unida, cuidando de seus mistérios e de suas histórias. A tempestade passou, e o sol nasceu novamente, iluminando a ilha e suas tradições. Cyony, agora guardiã dos segredos da Pedra Chorona, continuaria a contar suas histórias, assegurando que o oráculo de Mayandeua jamais fosse esquecido.
Com o passar dos anos, as histórias da Pedra Chorona se aprofundaram no coração da comunidade. Cyony, agora uma anciã, tinha seu próprio círculo de jovens atentos ao redor das fogueiras, perpetuando a tradição de sua avó. A Pedra Chorona, sempre misteriosa, continuava a ser um farol de sabedoria para a ilha. A cada visita, Cyony e os jovens faziam um ritual. Colocavam as mãos na pedra e fechavam os olhos, tentando sentir a energia que fluía dela. Muitas vezes, ouviam apenas o som das ondas e o vento, mas outras vezes, sentiam uma conexão inexplicável, como se a pedra sussurrasse segredos antigos.
Um dia, um grupo de turistas chegou à ilha, atraído pelas histórias da Pedra Chorona. Cyony, agora mais velha e sábia, decidiu mostrar-lhes o oráculo. Enquanto explicava a história e a importância da pedra, um dos turistas, um homem cético, riu desdenhosamente.
— É apenas uma pedra molhada pela maré. Vocês se deixam enganar por superstições bobas — disse ele.
Cyony, com paciência e serenidade, respondeu:
— Nem todos os mistérios são para serem compreendidos com os olhos. Alguns precisam ser sentidos com o coração.
Naquele momento, a pedra começou a brilhar com uma intensidade incomum, e todos puderam ver as lágrimas escorrendo por sua superfície. Os turistas ficaram em silêncio, impressionados com a visão. O homem cético, por sua vez, parecia perplexo, incapaz de encontrar uma explicação racional.
Ao longo dos anos, Cyony passou seu conhecimento e sabedoria para sua própria neta, Any, que demonstrava o mesmo fascínio que ela tivera em sua juventude. Any, com olhos brilhantes de curiosidade e coração aberto para os mistérios da vida, tornou-se a nova guardiã da Pedra Chorona. No entanto, Any teve que ir residir na cidade, deixando a sua essência para trás.
— Hoje a pedra está sozinha. Até quando?
FIM
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Projeto Literário e Musical Primolius Nº 0849