*N° 0826 - AS BORBOLETAS DO MAR - SÉRIE: CRÔNICAS DE MAYANDEUA
No jardim das minhas memórias, as estações se desdobram em cores e aromas, revelando um passado entrelaçado pelas asas delicadas das borboletas. Nestas terras em volta de águas, as tardes de chuva transformavam algumas partes da ilha em palcos de encantamento, onde a magia se fazia presente em cada canto. Sob o dossel verde das árvores, as borboletas dançavam ao sabor do vento, pintando o ar com sua graça efêmera, numa coreografia única e espontânea. Crianças estendiam as mãos, tentando capturar a beleza fugidia que deslizava entre seus dedos, rindo e correndo, seus olhos brilhando com a pureza da descoberta.
Naquele centro de alegria, a infância se firmava a cada tarde, como um tesouro guardado no baú das lembranças. Cada riso, cada gesto, cada brincadeira ecoava na eternidade dos momentos vividos. Era como se o tempo parasse, permitindo que a felicidade se instalasse em cada recanto daqueles espaços, em cada sorriso partilhado. A simplicidade daqueles dias era um bálsamo, um refúgio onde o mundo exterior não podia interferir. O tempo, no entanto, não tarda em traçar seus caminhos. Nos manguezais de muitos ali, da infância restaram imagens entrelaçadas com novos sorrisos, em um jogo de memórias e saudades. As borboletas, agora menos numerosas, ainda dançavam seu tango mágico, em um espetáculo reservado aos olhos que sabiam enxergar a beleza na simplicidade. Os mangueiros, testemunhas silenciosas de tantas histórias, continuavam a oferecer sombra e abrigo, suas folhas murmurando segredos antigos ao vento dos Encancados da ilha.
Enquanto o sol derramava seus raios sobre as ilhas ao redor, as sombras se alongavam, revelando contrastes entre o passado e o presente. Os transeuntes descalços, absortos em suas rotinas modernas e turísticas, mal percebiam o bailar das borboletas, que teimavam em trazer um alento aos corações cansados. A ilha, em seu constante movimento, guardava ainda aqueles momentos de quietude e contemplação, onde a beleza persistia, mesmo que oculta aos olhares desatentos.
Nesse cenário de metamorfoses, ainda havia espaço para os sorrisos, ainda havia espaço para as lembranças. As asas azuis, símbolos de liberdade e beleza, continuavam a desbravar os céus, recordando a quem as observava a leveza da existência. No interior das embarcações e rabetas, entre o vai e vem das ruas de águas, um homem observava tudo com um sorriso. Seus olhos, agora maduros, refletiam a criança que um dia fora, testemunhando a eterna dança das borboletas no jardim da memória. Ele se lembrava de correr pelas praças de sua cidade natal, de estender as mãos para tocar as asas vibrantes e sentir a magia do momento, daquelas outras crianças do mar . Essas lembranças, tão vívidas e queridas, o conectavam ao passado e ao presente.
As borboletas, com suas asas vibrantes, eram um elo entre o passado e o presente, um lembrete constante de que a beleza pode ser encontrada nos detalhes mais simples, nas memórias mais queridas. O homem, agora sentado em um banco de areia, sentia o mesmo vento que um dia agitou as asas das borboletas de ciquenta anos atras. Ele sorriu ao ver uma criança correndo, estendendo as mãos para capturar a beleza fugidia. E assim, o jardim das memórias continuava a florescer, alimentado pela saudade e pela alegria das lembranças que jamais se apagarão. As borboletas do mar, com sua graça efêmera, permaneceriam como testemunhas silenciosas das vidas que ali se entrelaçaram, guardando para sempre a magia dos dias dourados de uma infância até então não esquecida por entre palavras.
Assim, as borboletas do mar lembravam ao homem que a vida é uma contínua dança de metamorfoses, onde cada momento, por mais fugaz, guarda em si a eternidade. Ele sabia que, enquanto houvesse borboletas a dançar e crianças a correr, a beleza e a magia do jardim das memórias permaneceriam vivas. E assim, ele prometeu a si mesmo nunca deixar de buscar essa simplicidade encantadora do voar das palavras azuis, carregando consigo a lembrança daqueles dias preciosos, onde a felicidade era encontrada nas pequenas coisas e a infância era eterna através das vitrines de sua vasta imaginação.
- Chuva chegando!
- Vento de fora também chegando....
FIM
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Projeto Literário e Musical Primolius Nº 0826