*Nº 0821 - VERSÃO VÍDEO: HOMEM II - SÉRIE: CRÔNICAS DE MAYANDEUA
Carta de 2020 (Relendo na Ilha)
Em uma era que já desponta com os traços do pós-moderno, a cidade havia se transformado em um mosaico de luzes e sons, onde a onipresença das telas era mais que um símbolo do cotidiano: era a própria essência da vida urbana. Nos lares, agora equipados com assistentes virtuais e dispositivos de realidade aumentada, o controle remoto havia sido substituído por comandos de voz, toques e gestos, revelando um novo nível de interação entre o homem e a tecnologia. O homem, ainda sentado em seu divã – agora mais ergonômico e tecnologicamente avançado – comandava um mundo digital que se estendia além das quatro paredes. As novelas deram lugar a séries on-demand e reality shows interativos, permitindo que cada espectador não apenas assistisse, mas participasse ativamente da narrativa, influenciando destinos e decisões dos personagens com simples toques em suas telas.
As interações humanas diretas haviam se tornado cada vez mais raras. Em vez de carícias e diálogos, os casais trocavam emojis e mensagens instantâneas, muitas vezes sentados lado a lado, mas presos em seus universos virtuais. O silêncio físico era preenchido pelo zumbido constante das notificações e alertas, um pano de fundo de uma era conectada, mas paradoxalmente desconectada da realidade tangível. O mundo externo, com suas crises e conflitos, parecia um espetáculo distante, um pano de fundo de notícias incessantes que desfilavam nas timelines. Enquanto ele imergia nos dramas e comédias oferecidos pelas múltiplas plataformas de streaming, bombas e protestos, fome e guerra eram reduzidos a meros clipes de segundos, facilmente ignorados com um deslizar de dedo.
Sob a cúpula estrelada, onde Saturno e Júpiter continuavam suas danças cósmicas indiferentes ao drama humano, o homem e seus semelhantes viviam sob a ilusão de conexão. Envoltos em redes sociais e fóruns digitais, seus gritos de angústia e suspiros de alegria ecoavam em cabos de fibra ótica e ondas eletromagnéticas, nunca realmente rompendo o isolamento individual. No divã de alta tecnologia, o homem agora se via rodeado por hologramas de influenciadores e celebridades virtuais, entidades digitais que preenchiam o vazio com uma presença quase palpável. Em um mundo de 24 horas de conexão contínua, a solidão havia se tornado uma companheira constante, disfarçada por interações superficiais e likes efêmeros.
Ao olhar para a luz azulada da tela, o homem sabia que o próximo inimigo já estava à espreita: uma nova tela, um novo dispositivo, uma nova ilusão de controle e companhia. E assim, ele continuava sua jornada solitária, navegando pelo mar de pixels que moldavam sua existência, esperando, talvez, que um dia a verdadeira conexão fosse restaurada.
- A sua própria essência!
FIM
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Projeto Literário e Musical Primolius Nº 0821