*Nº 0813 - TELAS E FILAS DA VIDA - SÉRIE: CRÔNICAS DE MAYANDEUA
A cidade estava praticamente parada naquele sábado. O cinema cotava a visão dos transeuntes que aos poucos reclamavam de suas vidas escandalosas e cheias de sentimentos de esquinas. Assim, as filas e a chuva fina evidenciavam a cidade com suas luzes que chegavam com a noite fria e escandalosa como o minuano cinzento por entre as ventas de milhares de transeuntes. As pessoas caminhavam em seus circuitos de trânsitos modernos e neuróticos, no entanto, todos estavam concentrados no que iriam fazer nos próximos sessenta minutos. Atrás da neblina, as horas passavam e talvez a lua estivesse em algum lugar à espera de um olhar romancista. As luzes ardiam os olhos dos casais que mal conseguiam segurar em suas próprias mãos, no termômetro desta fiação de sentimentos oculares de celulares impróprios para sentimentos. Nesta visão distraída de praças esquecidas, encontraremos Yriney, que caminhava na mesma fila com a sua namorada de vinte e dois anos.
Yriney era um homem de hábitos metódicos. Cada sábado à noite era uma repetição quase ritualística de ir ao cinema, jantar no mesmo restaurante e voltar para casa pelo mesmo caminho. Sua namorada, ela, aceitava essa rotina sem muita resistência, embora sua mente muitas vezes vagasse para além das fronteiras daquele trajeto previsível. Naquela noite, no entanto, algo parecia diferente. Havia uma inquietação nos olhos da moça, uma luz que brilhava mais intensamente do que as lâmpadas da rua. Enquanto esperavam na fila, a cidadã puxou Yriney para mais perto, quase como se quisesse abafar o zumbido constante das conversas ao redor e o brilho intrusivo dos celulares. "Yriney, você nunca pensou em fazer algo diferente?" perguntou ela, com uma suavidade que contrastava com a urgência de suas palavras. Yriney olhou para ela, confuso. "O que você quer dizer ?"
Ela suspirou e olhou para o horizonte invisível além da neblina. "Estamos sempre aqui, sempre fazendo as mesmas coisas. Talvez devêssemos buscar novas experiências e horizontes. Olhe para essas pessoas, todas presas em seus próprios mundos, alimentando-se apenas das telas. Não sente que falta algo?" Ele ficou em silêncio por um momento, processando as palavras da namorada. Yriney sempre fora uma pessoa prática, alguém que acreditava na segurança da rotina. Mas agora, olhando para ela, sentiu uma pontada de desejo por algo mais, algo que ele nunca soubera que estava faltando.
"Você tem razão! Estamos vivendo uma vida limitada pelas telas e pelas nossas rotinas. Talvez seja hora de buscar algo novo, algo mais verdadeiro." Ela sorriu e apertou a mão dele. "Vamos começar hoje. Vamos deixar o cinema e caminhar até a praia. Vamos sentir a areia sob nossos pés, ouvir o som das ondas. Vamos nos alimentar da verdadeira essência da vida."
E assim, em um ato espontâneo de rebeldia contra suas próprias rotinas, o casal deixou a fila do cinema e caminharam em direção à praia. A cidade, com suas luzes e barulhos, ficou para trás enquanto eles seguiam para um mundo onde as telas não tinham lugar e o colorido das ondas era a verdadeira essência.
Ao chegarem à praia, foram recebidos por uma brisa suave e o som tranquilo do mar. A lua, finalmente livre das nuvens, refletia no oceano, criando um espetáculo de luz e sombra que nenhum dispositivo eletrônico poderia replicar. Caminharam em silêncio, absorvendo cada detalhe, cada sensação. Ela sentiu uma felicidade genuína que há muito tempo não experimentava, e Yriney, ao seu lado, começou a perceber a profundidade da vida que existia além das suas rotinas. Enquanto se sentavam na areia, a namorada virou-se para o cidadão e disse: "É disso que precisamos, Yriney. De momentos que nos conectem de verdade com o mundo ao nosso redor. Não apenas de imagens nas telas, mas de experiências que possamos sentir e lembrar."
Yriney, segurando a mão da vivente, concordou. "Sim. Precisamos nos libertar das amarras que nós mesmos criamos. Viver a vida de forma plena, sem as distrações que nos afastam da realidade." E assim, sob a luz da lua e o som das ondas, eles decidiram que dali em diante, buscariam mais desses momentos. Decidiram que a vida precisava ser vivida com intensidade e propósito, não apenas através das telas, mas com novas experiências que trouxessem cor e sentido aos seus dias.
Histórias de beira do mar...
FIM
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Projeto Musical e Literário Primolius N° 0813