*Nº 0812 - A JORNADA DE EDYGAR - SÉRIE: CONTOS DE MAYANDEUA

 



Ao receber o presente de sua amiga em plena avenida, Edygar, no seu íntimo, sentia uma dor incrível em seu peito, pois odiava ganhar presentes devido ao seu maior prazer: presentear e não ser presenteado. Nesta ação irracional para muitos, Edygar, em seu íntimo, sentia-se traído por não ter primeiramente ofertado um presente para sua amiga. Em seu rosto, um suor de nervosismo invadia o seu coração. Mudo, não soube nem agradecer pela oferta carinhosa de sua amiga. Sua vontade naquele momento era voar em direção da companheira de trabalho e dizer-lhe que não poderia ter realizado aquele pecado mortal. Assim, completamente mudo e sem estrutura para poder ao menos agradecer a pequena lembrança, Edygar cai em prantos à frente de sua amiga. Estupefata, a companheira de trabalho abraça Edygar com o intuito de favorecer um ombro para aquele homem de trinta e cinco anos que chorava como uma criança. Após o choro, Edygar ajoelha-se aos pés de sua amiga e, com a voz embargada, finalmente consegue articular algumas palavras:

— Desculpe-me... Eu não deveria reagir assim. É que... — Edygar respirou fundo, tentando encontrar a calma dentro de si. — Eu tenho uma obsessão. Sempre fui aquele que dá, que presenteia, que faz os outros felizes. Receber algo, mesmo de coração, me deixa... descontrolado.

Sua amiga, ainda segurando-o com um abraço reconfortante, respondeu com ternura:

— Edygar, você precisa entender que a amizade é uma via de mão dupla. Assim como você gosta de fazer os outros felizes, nós também queremos ver você feliz. Aceitar um presente é aceitar o carinho e a consideração que temos por você. Ele permaneceu ajoelhado, absorvendo aquelas palavras como se fossem bálsamo para sua alma atormentada. Sentia-se exposto, vulnerável, mas, ao mesmo tempo, uma nova compreensão começava a germinar dentro dele. Sua obsessão, que o aprisionava em um ciclo interminável de dar sem receber, precisava ser confrontada.

— Eu nunca tinha pensado desse jeito — murmurou, enxugando as lágrimas com as costas das mãos. — Talvez eu esteja mais acostumado a esconder meus sentimentos atrás de presentes, sem permitir que os outros façam o mesmo por mim.

Sua amiga sorriu gentilmente e o ajudou a se levantar. Ela segurou suas mãos com firmeza e olhou nos olhos dele.

— A partir de hoje, permita-se ser presenteado, Edygar. Não como uma obrigação, mas como um ato de amor e amizade. Nós queremos fazer parte da sua vida de todas as formas possíveis.

Edygar assentiu, ainda sentindo a turbulência emocional dentro de si, mas agora misturada com uma nova determinação. Ele abraçou sua amiga novamente, desta vez com gratidão e aceitação.

— Obrigado — disse, finalmente. — Eu prometo que vou tentar.

Os dois continuaram sua caminhada pela avenida, conversando e rindo, como se aquele momento tivesse renovado a amizade deles. Edygar sabia que sua jornada para superar sua obsessão seria longa e difícil, mas também sabia que não estava sozinho. Com amigos ao seu lado, ele poderia aprender a encontrar equilíbrio entre dar e receber, permitindo que o amor fluísse livremente em ambas as direções.

E assim, Edygar começou a descobrir um novo tipo de prazer, aquele que vem não apenas de presentear, mas de aceitar o presente dos outros, de ser envolvido pelo carinho e a generosidade de quem o ama. Nos dias que se seguiram, Edygar começou a praticar a aceitação. Pequenos gestos, como agradecer genuinamente por um café oferecido ou um elogio recebido, tornaram-se passos importantes em sua jornada. Um dia, sua amiga sugeriu que fizessem uma viagem para Algodoal, uma ilha paradisíaca no Pará, famosa por suas praias e tradições culturais. Edygar aceitou a proposta com entusiasmo, sentindo que essa experiência poderia ser uma oportunidade de aprofundar sua nova compreensão sobre dar e receber.

Ao chegarem em Algodoal, os dois amigos foram recepcionados pelo som envolvente do carimbó. Eles se juntaram à dança, deixando-se levar pela alegria e pelo ritmo contagiante. Edygar, que sempre havia se focado em dar, agora permitia-se receber a energia vibrante da música e da dança, sentindo-se mais conectado aos outros e a si mesmo. Depois de dias explorando Algodoal, decidiram aventurar-se ainda mais. Pegaram uma canoa e seguiram em direção a Fortalezinha, na volta decidiram retornar  pela Trilha Encantada. Durante a trilha, encontraram um senhor com sua carroça. Ele ofereceu-lhes uma carona na metade do caminho, e eles aceitaram com gratidão, trocando histórias e risadas enquanto apreciavam a paisagem exuberante.

Na outra metade do caminho, chegaram a Camboinha, onde foram recebidos com hospitalidade pelos moradores locais. A simplicidade e a generosidade das pessoas tocaram profundamente Edygar, que começou a entender que aceitar ajuda e carinho fazia parte de uma vida plena e equilibrada.

Ao final da viagem, Edygar e sua amiga sentiram que algo mais profundo havia se formado entre eles. O carinho, a compreensão e o apoio mútuo se transformaram em amor. Decidiram se casar e iniciar uma nova vida juntos em Mayandeua. Em uma  vila de Mayandeua, Edygar e sua agora esposa encontraram um lar e uma comunidade acolhedora. Ele se tornou um membro ativo, contribuindo com suas habilidades e aceitando a ajuda e o carinho dos vizinhos. A obsessão que o havia atormentado foi substituída por uma compreensão equilibrada do que significa viver em comunidade. Edygar, que antes via o ato de receber como uma fraqueza, aprendeu a ver a beleza e a força na reciprocidade. Ele e sua esposa viviam felizes, construindo uma vida juntos, onde o amor e a amizade eram alimentados por gestos de carinho tanto recebidos quanto oferecidos. E assim, em Mayandeua, Edygar encontrou não apenas um novo lar, mas também a paz que há tanto tempo buscava. E é por isso que estas ilhas são encantadas e dizem que os ancestrais da ilha é quem escolhe quem deve viver por lá.   

- Histórias da ilha!


FIM

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Projeto Musical e Literário Primolius N° 0812


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