*Nº 0779 - DANÇA DO TEMPO 1990 - SÉRIE: CRÔNICAS DE MAYANDEUA




Na vila à beira-mar, onde cada onda traz consigo um sussurro de tempos passados e cada brisa leva consigo os sonhos silenciosos dos pescadores, há um momento que a todos une, um evento aguardado com entusiasmo e marcado no coração de todos: a grandiosa dança de salão à beira-mar. É um ritual que transcende o calendário, celebrado sob o céu da lua nova, quando a escuridão do firmamento é suavemente iluminada por estrelas distantes, e os habitantes da vila se reúnem para uma noite de música, dança e encantamento.

As canoas deslizam,  trazendo consigo não apenas os pescadores que retornam, mas também a energia vibrante da festa. A praia, banhada pela maré que sobe lentamente, transforma-se em um palco improvisado, onde a areia úmida serve de chão para a celebração. A expectativa paira no ar, como se o próprio oceano, em sua imensidão, aguardasse ansioso o início da dança. 

O perfume das flores nativas da região se mistura à brisa salgada que sopra do mar, criando uma atmosfera mágica que parece tocar tudo ao redor. Não só os moradores se preparam, mas também os Encantados, aquelas figuras místicas que habitam o imaginário da vila, sentem-se atraídos pela festa. Dizem que, nessas noites, quando a música começa e os corpos começam a se mover ao ritmo do carimbó, até eles se aproximam em silêncio, escondidos entre as sombras dos coqueiros, para assistir à celebração dos mortais.

Quando a primeira nota musical preenche o ar, os dançarinos entregam-se ao ritmo com um entusiasmo que reflete a própria essência do lugar. Os pés descalços traçam linhas na areia molhada, movendo-se em perfeita harmonia com o som das ondas que beijam a costa. O carimbó ecoa pela praia, sua batida rítmica e contagiante faz os corações baterem mais forte, enquanto os corpos se movem em uma sincronia natural, como se a música fosse parte de suas almas. As canoas, agora ancoradas à beira-mar, observam, silenciosas e imponentes, esse espetáculo de vida e tradição, testemunhas eternas de uma alegria que ultrapassa gerações.

Os coqueiros, altos e imponentes, inclinam-se ligeiramente como se prestassem uma reverência à música e ao mar, suas folhas sussurrando segredos à brisa noturna. Entre eles, as estrelas cintilam, cada uma como uma pequena chama no vasto céu, observando de longe a animação da vila. Ali, sob a árvore mais antiga da praia, a venerável mangueira, segredos são partilhados em conversas baixas. Risadas ecoam pela areia, e, à medida que a noite avança, novas amizades são forjadas, velhos laços são renovados, e o espírito de união da vila se fortalece.

Nesta noite, a pequena vila à beira-mar não é apenas um conjunto de casas e pessoas. Ela se transforma em um paraíso pulsante de alegria, onde a energia da natureza se funde à vitalidade dos corações humanos. A dança, em sua simplicidade e beleza, torna-se um símbolo da conexão entre os moradores e o mar, entre o passado e o presente, entre o real e o místico. As marés, em sua constante ida e volta, refletem o próprio movimento da vida, e a cada batida do tambor, a vila canta sua história, sua esperança, e seu amor pelo oceano que a sustenta.

Assim, entre a lua que se esconde, as estrelas que brilham e o som da música que preenche a noite, a vila celebra sua existência. A dança é eterna, assim como o ciclo das marés, e, naquela praia, sob o olhar cúmplice do mar, da lua e dos Encantados, a vida se renova, cheia de promessas, de alegria e de esperança.

- E neste momento os curimbós cativam...

- Uma alegria única que vêm do Carimbó destas ilhas!

- E haja carimbó!


FIM

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Projeto Literário e Musical Primolius Nº 0779





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