*Nº 0741 - MESTRES E SUAS CANÇÕES DE MAR - SÉRIE: CRÔNICAS DE MAYANDEUA
À beira do rio, onde as águas tranquilas refletiam o brilho suave das estrelas, da lua cheia e das pererecas, o verão exalava seus últimos suspiros antes de partir. O calor acumulado dos dias longos começava a ceder, substituído por uma brisa suave que soprava como um sussurro de despedida. Era um momento de transição, de melancolia, mas também de reverência, onde a natureza, em silêncio cúmplice, assistia ao fim de uma estação cheia de vida. Tudo ao redor parecia suspenso, como se o próprio mundo estivesse segurando o fôlego antes do próximo movimento no ciclo eterno.
As estrelas pontilhavam o céu noturno como pequenas joias penduradas no céu de Maya, suas luzes cintilantes brilhando mais intensamente à medida que o céu escurecia. Elas pareciam acompanhar de longe essa cerimônia silenciosa, oferecendo sua luz prateada para iluminar a passagem do verão. A lua, em sua forma cheia, reinava absoluta no alto, projetando sombras suaves nas margens do rio, como se quisesse abençoar aquele cenário com seu brilho suave e maternal.
Outros insetos dançavam ao redor, criando pequenos faróis de luzes intermitentes que cintilavam como se estivessem participando de uma despedida coreografada. Moviam-se entre as árvores e sobre o rio, num balé silencioso que contrastava com a serenidade das águas abaixo. O rio murmurava suavemente, como uma velha canção repetida por gerações, ecoando segredos perdidos. No centro desse cenário mágico, repousava um banjo. Uma simples cadeira de madeira abrigava o instrumento que, até há pouco tempo, vibrava com acordes alegres, acompanhando vozes e risos. Agora, porém, o banjo estava em silêncio, suas cordas descansando em um respeito reverente ao momento solene. Era como se o próprio instrumento reconhecesse que seu papel havia sido cumprido, que sua música não poderia competir com a majestade da natureza ao redor. Suas notas, outrora alegres, agora ressoavam apenas na memória, ecoando de forma sutil no coração de quem ouvira suas canções.
As árvores ao redor, testemunhas silenciosas de tantas estações, também pareciam sentir a mudança. Suas folhas, antes vibrantes e cheias de vida, começavam a exibir tons de cobre, uma prévia da paleta de cores que o outono traria. A brisa que passava por elas carregava o perfume delicado das flores que ainda resistiam, misturado ao cheiro terroso das folhas secas que começavam a cair dos taperebazeiros. Era como se o verão estivesse deixando um último presente antes de se despedir. O silêncio que preenchia o ambiente não era vazio; ele estava carregado de significado. Cada detalhe – o murmúrio do rio, o farfalhar das folhas, o balé das jacintas – contribuía para uma sinfonia natural que substituía a música do banjo. O verão, em sua despedida, ainda oferecia uma última exibição de sua beleza exuberante. As noites mais longas e frescas já prenunciavam a chegada iminente do outono, mas o calor residual da estação que partia ainda estava presente, como um abraço morno que aos poucos se soltava.
O banjo, calado e imóvel, parecia compreender o momento de mudança. Cada uma de suas cordas, agora silenciosas, parecia carregar a sabedoria de que tudo tem seu tempo – e que há momentos em que o silêncio fala mais do que qualquer melodia ou batuques de curimbós. A madeira desgastada do instrumento, que tantas vezes vibrou ao toque das mãos, agora repousava em paz, quase como se estivesse em comunhão com a terra sob seus pés.
No entanto, apesar do silêncio do banjo, a música da natureza continuava a soar. O rio continuava sua jornada, fluindo de maneira serena, carregando folhas caídas e pequenos galhos que haviam sido levados pela brisa. Os grilos cantavam suas melodias ritmadas, unindo suas vozes em uma harmonia natural, como se estivessem celebrando o ciclo que nunca para. O vento, por sua vez, soprava levemente, fazendo as árvores sussurrarem entre si, numa conversa antiga e sagrada.
Cada elemento da cena parecia se integrar à perfeição. O banjo, as estrelas, os pirilampos e o rio – todos faziam parte de uma coreografia silenciosa, uma dança que celebrava tanto o fim quanto o início. Era um lembrete de que o fim de uma estação não era uma perda, mas sim uma transformação, uma transição necessária para que algo novo pudesse florescer.
O homem que outrora dedilhava o banjo não estava mais ali, mas sua presença ainda era sentida. Ele deixara para trás suas canções, suas notas flutuando no ar, mesclando-se à brisa. Agora, a música era outra – uma sinfonia de renovação e transformação. O verão se retirava, não com tristeza, mas com uma calma aceitação de seu papel dentro do ciclo eterno.
E assim, à beira do rio, sob o olhar atento da lua e as luzes naturais de Maya, o verão se despedia. O banjo calado, as folhas que começavam a cair, agora dos magueiros. Assim o murmúrio constante das águas formavam uma última melodia silenciosa, um tributo à passagem do tempo e à beleza eterna da vida em movimento. Enquanto o verão partia, o mundo ao redor já começava a preparar o cenário para o próximo ato, com o outono aguardando pacientemente nos bastidores.
- Mayandeua e Algodoal rejuvenessem!
- Carimboleiros em festa!
FIM
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Projeto Literário e Musical Primolius Nº 0741


