*Nº 0689 - LITERATURA ENCANTADA DE MAYANDEUA - SÉRIE: CRÔNICAS DE MAYANDEUA


Na quietude mística da noite, enquanto o mundo se rendia ao sono profundo e os sonhos fluíam como rios em curso, os grandes mestres das letras do Pará foram agraciados com visitas singulares que transcendiam o tempo e o espaço. Dalcídio Jurandir, Paes Loureiro e Benedito Nunes, cada um imerso em sua própria jornada de imaginação, encontraram-se em um cenário onde a realidade se dissolvia suavemente na fantasia, e as palavras, outrora fixas em páginas, ganhavam vida própria. Era uma noite como nenhuma outra, em que o destino literário dos três se entrelaçava nos mistérios de Mayandeua, a Ilha Encantada.

Dalcídio Jurandir foi o primeiro a ser chamado pelas águas mágicas de Maya, as quais, sob a luz prateada da lua, sussurravam segredos ancestrais que poucos poderiam compreender. As margens tranquilas do rio, entrelaçadas com a flora exuberante, tornaram-se o palco de uma sinfonia natural: os pássaros noturnos entoavam melodias misteriosas, enquanto o vento suave dançava com as árvores e as ondas. Ali, em comunhão com a natureza, Dalcídio sentiu o poder das histórias ribeirinhas fluírem em sua alma. Cada som — o murmúrio das águas, o canto das aves, o distante toque dos curimbós — era uma linha invisível, guiando sua mão para escrever as narrativas que conectariam o espírito humano às profundezas da terra e do rio. Naquele instante, ele compreendeu que suas palavras eram como as correntes de um rio, carregando tanto os sonhos quanto as realidades de um povo.

Mais adiante, Paes Loureiro, de olhar profundo e alma poética, foi levado para o coração dos manguezais de Mayandeua. Ali, em meio às árvores centenárias, ele testemunhou a beleza crua e selvagem da natureza se revelando. As copas das árvores se erguiam até o céu estrelado, cujas luzes não eram comuns — eram estrelas que pulsavam com uma energia única, comunicando-se com a terra. Sob o dossel verdejante, Paes sentiu a pulsante força vital da ilha, uma energia que fluía de raiz a folha, conectando o poeta ao coração da floresta. Essa força reverberava em seu interior, despertando nele versos que ecoariam por gerações. As palavras que nasciam em sua mente eram carregadas com o poder ancestral das árvores e o sussurro da terra, como se o próprio espírito da ilha o convidasse a imortalizar seus encantos em poesia.

Benedito Nunes, por sua vez, foi transportado para um lugar de profunda contemplação, onde as fronteiras entre o real e o imaginário se dissolviam como névoa sob o sol nascente. Em um cenário surreal, ele se viu caminhando por um labirinto de portais, onde cada porta aberta revelava um reino novo, repleto de enigmas filosóficos. Os Reinos de Maya eram mais do que simples paisagens: eram símbolos vivos de pensamento, refletindo a complexidade e a beleza do universo. O céu mudava de cor com cada nova ideia, e as estrelas pareciam se reorganizar a cada raciocínio. Benedito explorava esses reinos com uma curiosidade quase infantil, mas com a profundidade de um sábio, mergulhando em questões existenciais que se misturavam com a própria substância dos sonhos. Cada passo dado nos portais de Maya o aproximava de uma compreensão mais íntima dos mistérios da vida e da mente.

Esses três gigantes das letras, cada um com seu olhar distinto sobre o mundo, tiveram o privilégio de visitar a Ilha Encantada de Mayandeua em sonhos, onde foram calorosamente recebidos por uma princesa mística, guardiã dos segredos dessa terra mágica. Sob o manto estrelado da noite, eles se reuniram em um círculo de encantamento. As palavras, que antes pertenciam a páginas e livros, agora flutuavam livres no ar, dançando ao redor deles como faíscas de fogo. Histórias foram contadas, poesias foram declamadas, e juntos, eles dançaram ao som ritmado do carimbó, imersos na batida que parecia surgir do próprio coração da ilha.

A princesa de Mayandeua, cujas vestes cintilavam como o reflexo da lua nas águas, lhes sussurrou sobre os segredos guardados por eras nas profundezas do mar e nas raízes das árvores mais antigas. Esses segredos não podiam ser ditos, apenas sentidos. Ela lhes mostrou que a literatura e a arte são portais para reinos onde a linguagem humana encontra suas limitações, mas o espírito continua a viajar, expandindo-se através do tempo e da imaginação.

E foi através do lendário Portal de Babel, um ponto de convergência onde as barreiras da linguagem se desintegravam, que os mestres literários testemunharam algo ainda mais grandioso. Ali, centenas de escritores e escritoras, de todos os cantos do mundo e de todas as épocas, eram recebidos em sonhos. De Homero a Clarice Lispector, de Shakespeare a Jorge Amado, todos passavam pelos portais e eram saudados pela princesa de Mayandeua, que lhes oferecia o dom da conexão literária. Era um lugar onde as palavras, independentemente do idioma, formavam uma única corrente de histórias, unindo culturas, eras e realidades.

Para Dalcídio Jurandir, Paes Loureiro e Benedito Nunes, essa jornada onírica à Ilha de Mayandeua foi muito mais do que um sonho. Foi um chamado para compreender que, através da literatura, as fronteiras entre o real e o imaginário, o passado e o presente, se desfazem. As palavras têm o poder de criar pontes entre mundos, e através delas, as histórias, as lendas e as culturas podem viajar, vivendo para sempre nos corações e mentes de todos aqueles que estão dispostos a ouvir. E assim, naquela noite encantada, sob o brilho das estrelas e o eco das ondas, os grandes mestres das letras do Pará se tornaram parte de uma narrativa eterna, onde o poder da palavra e da imaginação continua a iluminar os sonhos de futuras gerações.


Maya, e a princesa encantada, homenageavam assim todos os escritores da Amazônia e do mundo, celebrando a magia da criação literária e a universalidade da imaginação humana.


FIM


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Projeto Musical e Literário Primolius Nº 0689


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