*Nº 0672 - REINO DAS ÁGUAS CLARAS - SÉRIE: CONTOS FANTÁSTICOS DE MAYANDEUA

 



Em algum ponto oculto nas profundezas da Ilha de Mayandeua, entre as águas prateadas que abraçam a costa e os ventos que sussurram segredos esquecidos, existe um reino. O Reino das Águas Claras é um domínio que poucos podem ver, pois está protegido pela magia dos encantados e pelas sereias que habitam os recifes e as lagoas escondidas. Dizem que apenas em dias de tempestade, quando o céu se parte com a fúria dos raios, o reino se revela, por um breve instante, como um reflexo ofuscante nas águas.

No coração desse reino, seres místicos guardam tesouros que vão além do ouro ou das joias humanas. As riquezas do Reino das Águas Claras são compostas por relíquias imateriais: o primeiro sopro da brisa do mar, os ecos das primeiras canções dos ventos, e o brilho da lua refletido nas conchas peroladas. É dito que cada fragmento de luz que toca essas águas é capturado pelas Ymuryns, as guardiãs da luz líquida. Elas recolhem cada raio do sol que se derrama sobre a superfície e guardam-no em ânforas cristalinas nas cavernas profundas.

As Ymyrys, as sereias anciãs, governam os oceanos com sabedoria ancestral. São elas que mantêm a harmonia entre os mares e a terra, assegurando que os segredos do Reino das Águas Claras permaneçam intocados pelos humanos. Suas canções ecoam pelos corais e através das correntes marítimas, protegendo as fronteiras do reino. As Ymyrys têm o poder de manipular as marés e, nas noites de lua cheia, é dito que suas vozes são capazes de acalmar até a mais feroz das tempestades. Seus olhos carregam o brilho de mil estrelas, e com apenas um olhar, conseguem revelar o passado ou o futuro daqueles que ousam encará-las.

Em tempos antigos, os pescadores de Mayandeua ouviram lendas sobre um ponto específico da ilha, conhecido como *Pynoryn*, a Colina da Princesa. Esse local, envolto por brumas e cercado de mangues enigmáticos, é o único lugar da superfície onde é possível, em noites de tormenta, vislumbrar o Reino das Águas Claras. Durante os relâmpagos, que rasgam o céu com sua luz prateada, por meros segundos — ou talvez milésimos de segundos — o reino se revela como uma miragem brilhante: cidades submersas feitas de corais, palácios de águas em movimento e florestas de algas que dançam com o ritmo das correntes.

Mas poucos são aqueles que ousaram buscar por esse vislumbre. As histórias contam que, em eras distantes, um jovem pescador chamado Ytharym, de coração inquieto, decidiu subir até a Colina da Princesa durante uma tempestade terrível. Movido pelo desejo de descobrir o reino místico, ele esperou até que os relâmpagos cortassem o céu, revelando, por breves instantes, a grandiosidade das Águas Claras. Em seu breve vislumbre, ele viu criaturas de formas indescritíveis, rios luminosos que corriam por entre colinas de areia dourada e seres etéreos, tão antigos quanto o próprio oceano, movendo-se lentamente em sua eterna dança aquática.

Porém, ao tentar aproximar-se do reino, Ytharym foi confrontado pelos Ymylaks, os seres guardiões das fronteiras aquáticas. Com corpos translúcidos e olhos de tempestade, os Ymylaks têm a missão de impedir que qualquer mortal ultrapasse os limites entre o mundo humano e o místico. Eles advertiram Ytharym sobre os perigos de atravessar para o reino dos encantados e das sereias. "Somente aqueles de alma pura e coração sem ambição podem entrar neste reino", disseram eles com vozes que ecoavam como trovões distantes.

O jovem, assombrado pelo que viu e pelas palavras dos Ymylaks, voltou à aldeia, incapaz de esquecer o reino que cintilava nas profundezas. Seu relato se espalhou entre os pescadores, e até hoje, em noites de tempestade, muitos ainda sobem à Colina da Princesa, esperando, por breves momentos, vislumbrar o que os olhos humanos não deveriam ver.

Alguns acreditam que o Reino das Águas Claras não é apenas um lugar físico, mas um reflexo da própria essência da ilha. Outros dizem que os seres encantados, como Ynyrias, a Rainha das Sereias, controlam o equilíbrio entre os mundos, garantindo que apenas os merecedores possam vislumbrar os tesouros submersos. 

Em Mayandeua, onde a brisa carrega os murmúrios do oceano e os ventos dançam com  os mangueiros, sabe-se que a ilha e o reino coexistem em uma delicada harmonia. E, embora invisível para a maioria, o Reino das Águas Claras permanece uma realidade pulsante, protegida pelos mistérios das profundezas e pela magia dos encantados.


FIM

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Projeto Musical e Literário Primolius Nº 0672

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