* Nº 0656 - SACI DO MANGUEZAL - SÉRIE: CONTOS FANTÁSTICOS DE MAYANDEUA

 



Nas manhãs em que o sol ainda parecia tímido, espiando por trás das nuvens e desenhando sombras longas sobre o manguezal, algo mágico acontecia. Era um som suave, quase imperceptível para ouvidos desatentos: o assobio do Saci do Mangue. Ele cortava o silêncio como um eco antigo vindo de tempos distantes, uma melodia encantada que parecia alinhar as marés, os ventos e até mesmo os corações daqueles que viviam ali. Os pescadores mais velhos contavam histórias ao redor dos "avoados" durante  à noite. "Esse assobio não é só um aviso," diziam, com olhos brilhando de mistério. "É o sussurro do próprio manguezal, cuidado pelo Saci. Ele protege tudo aqui: as raízes, os caranguejos, os peixes... e nós também." Para eles, o manguezal era mais do que um lugar; era um universo vivo, onde a magia e a natureza se entrelaçavam como amigos inseparáveis.

E o Saci? Ah, ele não era apenas uma lenda. Ele era parte daquela teia misteriosa. Com seu gorro vermelho flamejante e sua risada travessa, ele saltava entre as árvores como um dançarino invisível. Às vezes, parecia um pássaro observando tudo lá de cima; outras vezes, transformava-se em um guaxinim curioso ou até mesmo em um caranguejo astuto. Ele era o espírito guardião do manguezal, zelando por cada folha, cada raiz e cada criatura que ali morava.

Certa vez, um grupo de caçadores chegou ao manguezal com planos egoístas. Eles queriam capturar guaxinins e outros animais para vendê-los em feiras distantes. Mas o manguezal não gostava de invasores, e o Saci menos ainda. Quando os homens tentaram atravessar a lama densa e escorregadia, algo estranho começou a acontecer. Suas botas, antes firmes, simplesmente desapareceram! Um som rítmico e zombeteiro encheu o ar: **toc-toc-toc**. Era o Saci, pulando de galho em galho, pregando peças nos caçadores. Ele fazia suas lanternas apagarem, deixava pegadas falsas na lama e até imitava vozes para confundi-los. No final do dia, exaustos e descalços, os homens juraram nunca mais voltar. "Este lugar é amaldiçoado!" gritaram, enquanto fugiam. Mas os pescadores sabiam a verdade: não era uma maldição, era o Saci protegendo seu lar.

Apesar de sua fama travessa, o Saci também tinha um coração bondoso. Uma noite de tempestade ficou marcada na memória dos moradores da vila próxima. Uma criança pequena, chamada Lunya, havia se perdido no manguezal durante uma caminhada noturna. Assustada e sozinha, ela chorava baixinho quando uma luz misteriosa começou a piscar entre as árvores. Curiosa, Lunya seguiu o brilho mágico, que parecia guiá-la por um caminho seguro. Ao chegar a um abrigo formado por raízes entrelaçadas, ela encontrou um caranguejo gigante que parecia sorrir para ela. Enrolada em uma manta de musgo macio, Lunya adormeceu profundamente. Quando seus pais a encontraram ao amanhecer, ela estava tranquila e segura. "Foi o Saci," disseram os pescadores, comovidos. "Ele sempre ajuda quem precisa."

Para mostrar sua gratidão, os moradores tinham um costume especial. Em cada canto do manguezal, deixavam pequenos embrulhos de biscoitos, bombons e frutas frescas sobre as raízes expostas das árvores. Junto com os presentes, murmuravam palavras de agradecimento: "Obrigado. Que você continue protegendo este lugar mágico." Dizem que o Saci aceitava os presentes com uma dança invisível, girando seu gorro vermelho ao som do vento. Ele sabia que aqueles gestos eram mais do que oferendas; eram promessas de respeito e harmonia com a natureza.

Hoje, o manguezal continua a respirar sua magia. Para alguns, é apenas um ecossistema repleto de vida; para outros, é um mundo encantado onde o Saci do Mangue ainda vigia, ri e transforma a natureza em poesia. Se você visitar o manguezal ao cair da noite, preste atenção. Talvez você ouça o assobio suave do Saci, não como um som qualquer, mas como um convite para acreditar no invisível. Porque, no fundo, todos nós precisamos de um pouco de magia para lembrar que o mundo é muito maior – e muito mais encantado – do que nossos olhos podem ver.

Maya agradece! 


FIM

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Projeto Musical e Literário Primolius Nº 0656


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