Nº 0654 - PEDRAS DE RAIO - COORDENADA GEOGRÁFICA 55 - CARTOGRAFIA DO IMAGINÁRIO POPULAR DE MAYANDEUA


 Ele sempre teve uma paixão inabalável pelas pedras de raio desde a infância, quando testemunhou a queda da primeira do céu e seu subsequente enterramento no solo. O mistério e o poder inerente a essas pedras o fascinaram profundamente. A partir desse momento, ele fez da busca por elas uma verdadeira missão em sua vida. Em cada árvore, nas areias da praia e nos campos de terra dura, ele procurava incessantemente por esses tesouros naturais. Embora muitos acreditassem que essas pedras traziam sorte e ofereciam proteção contra raios, ele não se importava com essas superstições. Seu único desejo era colecioná-las, admirá-las e sentir seu toque em suas mãos.

Certo dia, enquanto cavava um buraco para plantar uma bananeira no terreno da vila, o destino lhe reservou o maior tesouro de sua vida. Enquanto sua enxada penetrava no solo, algo duro e frio tocou sua ferramenta de trabalho. Para sua surpresa, ele descobriu uma sacola de plástico, abarrotada de pedras de raio de diferentes formas e tamanhos. Parecia um sonho se tornando realidade. Quem teria enterrado aquele tesouro ali? E qual seria o propósito por trás disso? Essas perguntas não pareciam mais importantes do que a emoção que a descoberta lhe proporcionava. Em êxtase, ele pegou a sacola e correu para casa, encantado e exultante.

As pedras foram cuidadosamente guardadas em uma caixa de madeira escondida debaixo de sua cama. Ele não revelou sua descoberta a ninguém, tornando-a assim seu segredo pessoal. Apenas ele sabia da existência daquele tesouro particular. Diariamente, ele abria a caixa com devoção e observava cada pedra, uma por uma. O simples ato de visualizá-las lhe trazia uma imensa alegria. As pedras eram suas amigas, suas companheiras, suas confidentes.

O tempo, no entanto, inexoravelmente avançou e as circunstâncias mudaram. Com a idade avançada e o surgimento da doença, sua saúde começou a debilitar-se. Ele não possuía mais a força necessária para trabalhar ou até mesmo sair de casa. Para piorar, a falta de recursos financeiros o obrigava a buscar alternativas para comprar remédios e alimentos. Num momento de necessidade extrema, ele tomou uma decisão difícil: vender suas amadas pedras de raio. Com dor no coração, ele vendeu uma a uma, apesar de receber um valor irrisório em troca. Mas era suficiente para assegurar sua sobrevivência.

Apenas uma pedra foi poupada, aquela que ele considerava a mais bela de todas. Redonda e brilhante como um sol, ele a transformou num amuleto e a utilizou como pingente. Essa pedra em especial era o símbolo de sua vida, seu orgulho, e ele acreditava que se a perdesse, seu fim seria inevitável. Infelizmente, ninguém levava a sério suas palavras. Muitos consideravam suas crenças exageradas ou meros delírios de um velho solitário. Porém, ele falava com total seriedade. Sentia que a presença da pedra era o único motivo que o mantinha vivo, e o medo de perdê-la consumia seus pensamentos.

Certo dia, ao despertar, notou que sua pedra de raio não estava mais pendurada em seu pescoço. Durante a noite, ela havia caído e desaparecido em algum lugar nos lençóis. O desespero tomou conta dele. Revirou freneticamente a cama em busca da preciosa pedra, mas seus esforços foram em vão.

Um aperto no peito, a falta de ar, uma tontura avassaladora se apossou dele. Ele sabia que o fim estava próximo. Minutos antes de partir desta vida, levantou-se com dificuldade e dirigiu-se à janela. Observou o céu azul e, com um olhar de resignação, viu uma nuvem escura se formando no horizonte. Um sorriso triste surgiu em seus lábios enquanto ele sussurrava:

"Adeus, minha pedra de raio..."

E então, com um último suspiro, ele caiu inerte no chão, partindo desta vida junto com sua maior paixão. Assim, o ciclo da história desse homem, ligado pelas pedras de raio desde sua infância, chegou ao fim. Sua busca incessante, sua alegria em colecioná-las e sua crença férrea no poder delas tudo isso foi levado consigo para além dos limites terrenos.  



FIM

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Projeto Musical e Literário Primolius Nº 0654

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