* Nº 0644 - A MAMPINGUARA DO MANGUEZAL - SÉRIE: CONTOS FANTÁSTICOS DE MAYANDEUA
Nos manguezais de Maya, onde a densa vegetação se enlaça com as águas salinas em um abraço, há segredos que só os ventos e as marés conhecem. Entre raízes retorcidas e sombras profundas, surge uma narrativa sussurrada por poucos — aqueles que, com reverência e temor, falam da Mampinguara do Mangue. Dizem que ela habita os ocos das grandes pedras dos furos, escondida entre os labirintos de mangues que guardam os mistérios mais antigos da ilha.
Ela é descrita como uma criatura enigmática, envolta em pelagem que às vezes parece tecida de algas marinhas. Seu mundo é silencioso, quase invisível, alimentado pelos peixes que ficam presos nas redes e currais deixados pelos pescadores. A Mampinguara é reservada, como se carregasse consigo a sabedoria ancestral dos manguezais. Ela não perturba, nem deseja ser perturbada. Sua presença é sentida apenas por aqueles que, inadvertidamente, desafiam as leis silenciosas do mangue — aqueles que ousam caminhar sem ouvir o ritmo suave das marés ou sem respeitar o murmúrio das árvores.
O canto da Mampinguara é hipnótico, uma melodia que ecoa como um aviso para os intrusos. É um som que parece vir de lugar nenhum e de todos os lugares ao mesmo tempo, envolvendo quem o escuta em um véu de mistério. Mas, quando o Sol surge no horizonte, banhando os mangueiros e tinteiros com sua luz dourada, a Mampinguara se recolhe às sombras, evitando o calor e a claridade. Ela é uma guardiã, uma protetora dos segredos que a ilha guarda tão ciumentamente.
Mas o maior mistério da Mampinguara não está apenas em sua existência solitária nos manguezais. Dizem que, quando ela encontra seu par, o lendário Mampinguari, algo mágico acontece. Nesse encontro raro, um feitiço é desencadeado, transformando-os em uma enorme embaubeira . É como se os dois espíritos, unidos pela magia do mangue, decidissem renascer em outra forma, tornando-se parte permanente da terra que tanto protegem.
E assim, a Mampinguara do Mangue rege sua própria narrativa em Mayandeua, uma ilha onde os segredos são tantos que parecem brotar do próprio solo. Suas histórias são contadas em sussurros, como um tesouro vivo que nunca deve ser revelado aos desavisados. Há quem diga que, nas noites sem lua, quando a escuridão é absoluta e o céu se fecha sobre a terra, a Mampinguara se transforma em um pássaro. Um pássaro silencioso, cujas penas refletem o brilho das estrelas. Ela voa então, cruzando os manguezais como um fantasma alado, vigiando tudo e todos. Essa história, embalada pelo som das marés é uma conexão com o invisível, uma maneira de entender o equilíbrio frágil e poderoso da natureza. A Mampinguara do Mangue nos lembra que há forças maiores do que nós, que há segredos que jamais serão completamente desvendados. E talvez seja melhor assim. Pois, enquanto ela se move entre as sombras, protegendo os mistérios de Mayandeua, nós, os humanos, podemos apenas observar e respeitar. Observar o voo silencioso de um pássaro que pode ou não ser ela. Respeitar o silêncio dos manguezais, onde cada raiz, cada pedra, cada gota de água salgada guarda uma história que não nos pertence. E assim, sob o véu da noite ou nas sombras das grandes pedras, a Mampinguara continua sua jornada, entrelaçando mito e realidade, transformando-se e renascendo, sempre guardiã dos segredos desta ilha.
FIM
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Projeto Musical e Literário Primolius Nº 0644