*N° 0296 - MATRÍSTICA MAYANDEUA - SÉRIE: CRÔNICAS DE MAYANDEUA
No cotidiano de Mayandeua, as águas são testemunhas silenciosas da vida que passa. As canoas, fieis companheiras dos homens da ilha, deslizam suavemente pela maré, levando consigo os frutos do dia, os sonhos e as histórias que o tempo não apaga. Os remadores de outrora, que suavam sob o peso dos remos, agora manejam rabadas com mãos calejadas, marcadas pela dureza da vida, mas também pelo orgulho de quem conhece o mar como a palma da mão. O cheiro de gasolina nas roupas é o perfume de uma luta constante pela sobrevivência, um traço moderno em meio a tradições seculares. Nos costumes de Mayandeua, o tempo se mede pelo movimento das águas, que arrastam o relógio da vida em seu fluxo constante. Os homens e seus barcos, eternos companheiros, aguardam pacientemente a vontade das marés, respeitando a sabedoria ancestral que dita os ritmos da existência. Na infância, os caboclos aprendem a se criar nas águas, moldados pelos fluidos temporais que ensinam a arte de viver. Deixam para trás o que não serve, o que não dá lucro na lida, e seguem em frente, firmes como as redes de dormir penduradas nas varandas de suas vidas, onde o mar e a lua trabalham em perfeita harmonia
O líquido absoluto que define os Mayandeuenses é o próprio mar, que se entrelaça com a vida dos homens em uma dança eterna. Juntos, homem e mar atravessam o horizonte de tudo, traçando caminhos antigos pelas rotas de chuva. Alguns chegam de longe, outros vêm de ainda mais longe, além do longe, guiados por um mar que não conhece fronteiras. É o "mar de fora" que os chama, um convite irresistível para aqueles que entendem o idioma destas águas. E assim, no bater da "saliva oceânica", o vento entoa seu canto em um círculo espiral, uma corrente de forças invisíveis que se une nas Salinas.
A maré é um momento efêmero, uma sincronia perfeita de movimentos onde tudo se conecta. Ali, todos se encontram, unidos nos trajetos naturais que desenham os dias e as noites. Verbos que deliciam as rimas do passado, círculos de movimentos que se repetem, como uma poesia antiga que nunca cessa de ser recitada. Eles e elas passam, passaram, passareis, passarão... E aqui, continuam a passar, perpetuando o ciclo interminável da existência.
Este é o curso natural dos mistérios da ilha. Mayandeua, onde a canoa é o símbolo da jornada, e as águas são a trilha por onde todos caminham, seguindo o ritmo do mar e da vida. A ilha, a canoa, as águas... são elementos inseparáveis de uma história que se renova a cada dia, no vai e vem eterno das marés.
(Matrística Mayandeua)
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Projeto Musical e Literário Primolius Nº 0296


