*Nº 0549 - UM BALANÇO NA MANGUEIRA DA INFÂNCIA - SÉRIE: CRÔNICAS DE MAYANDEUA


Na sombra da velha mangueira, cujos galhos se estendiam como braços protetores sobre a terra úmida de sal  Mayandeua, Myris encontrava-se imersa em um mar de memórias. A jovem, agora crescida, sentia-se envolta por aquele espaço mágico que guardava os segredos de sua infância como um tesouro escondido sob suas folhas verdes. O balanço, pendurado pelos fortes galhos da árvore, parecia resistir ao tempo, desafiando as intempéries com sua corda gasta e madeira rachada. Era ali, naquele refúgio sagrado, que ela costumava sonhar acordada enquanto o mundo girava ao seu redor.

Ao subir no balanço, que rangia levemente com o peso dos anos, Myris foi transportada para um universo onde o tempo não era medido pelas horas, mas pelos movimentos suaves da brisa que dançava entre as folhas. Seus pés descalços roçavam o céu pintado de nuvens brancas, e o horizonte infinito parecia estender-se além do que seus olhos podiam alcançar. Diante dela, o grande mar azul espelhava as cores vibrantes do entardecer, como se fosse uma tela viva pintada pela mão generosa da natureza. Ali, sob aquela mangueira majestosa, o mundo lá embaixo parecia encolher, tornando-se insignificante diante da grandiosidade da paisagem e das lembranças que a envolviam.

As folhas da mangueira sussurravam histórias de afeto e ilusões, contadas em um idioma secreto que só crianças sabiam decifrar. Cada farfalhar era um eco distante de risos infantis, de correrias descalças pela areia quente, de segredos compartilhados com amigos imaginários e até mesmo das lágrimas que secavam sob o calor do sol tropical e o sal do mar. A mangueira era muito mais do que uma árvore; era uma testemunha silenciosa do crescimento de Myris, uma confidente que nunca julgava, apenas escutava.

O balanço dançava ao ritmo das lembranças, cada oscilação trazendo à tona um capítulo diferente de sua história. Ela viajava para terras distantes em sua mente, guiada pela imaginação fértil que só a infância permitia. Lá estava ela novamente, aos sete anos, fingindo ser uma exploradora em busca de tesouros escondidos nas dunas de areia. Ou então aos dez, quando jurava que as estrelas eram feitas de açúcar e que, se pudesse alcançá-las, poderia adoçar ainda mais sua vida já tão doce. Cada balançar era uma nova aventura, uma nova descoberta, um novo motivo para sorrir.

Mas o tempo, implacável, seguia seu curso. Os dias de menina transformaram-se em anos de mulher, e Myris aprendeu que algumas coisas permanecem inabaláveis, mesmo quando tudo ao redor muda. O balanço, apesar de desgastado, continuava firme, como um elo intemporal entre o passado e o presente. Ele a convidava a revisitar aquele lugar especial sempre que precisasse reencontrar a si mesma. E assim, ao retornar à mangueira tantos anos depois, ela percebeu que as lembranças, assim como as folhas caídas ao chão, também se renovavam. Elas não morriam; apenas se depositavam suavemente no solo fértil de sua memória, prontas para brotar novamente em momentos de nostalgia.

Enquanto balançava lentamente, Myris observou o sol de Mayandeua despedir-se do dia, tingindo o céu com tons de rosa. As águas tranquilas do mar refletiam aquela paleta celestial, criando um espetáculo visual que parecia saído de um sonho. Ela fechou os olhos por um instante, deixando que o vento suave acariciasse seu rosto. Cada sopro de ar trazia consigo fragmentos de sua infância: o cheiro salgado do mar, o som das ondas quebrando na praia, as gargalhadas de outras crianças brincando ao longe. Tudo isso ecoava dentro dela, como se o tempo fosse um ciclo contínuo, uma dança eterna entre o que foi e o que é.

Myris sorriu para o tempo, compreendendo que ele não era algo a ser temido ou combatido. Em vez disso, era um amigo fiel, que a ajudava a preservar as partes mais puras de sua alma. O balanço, com seu movimento cadenciado, era a conexão tangível entre essas duas realidades — o passado e o presente —, um símbolo de continuidade e esperança. Naquele momento, ela soube que sempre poderia voltar àquela mangueira, ao balanço, e encontrar a menina sonhadora que ainda vivia dentro dela. Essa certeza a preenchia de leveza, como se o peso do mundo tivesse sido retirado de seus ombros.

A ilha de Mayandeua, com suas belezas naturais e suas histórias encantadoras, era muito mais do que um lugar geográfico. Era um lar eterno, um santuário onde o tempo parecia parar e a vida revelava-se em sua forma mais pura e mágica. Cada grão de areia, cada folha da mangueira, cada raio de sol filtrado pelas copas das árvores carregava consigo uma parte da essência de Myris. Ela pertencia àquele lugar tanto quanto ele pertencia a ela.

"Coisas desta ilha!", pensou Myris, enquanto o balanço continuava a oscilar suavemente, embalado pelo vento cúmplice da tarde. "Coisas que jamais serão esquecidas."

E assim, com o coração leve e a mente tranquila, Myris permitiu-se flutuar naquela sensação de plenitude, sabendo que, independentemente de onde a vida a levasse, a mangueira, o balanço e as tardes  de Mayandeua sempre estariam lá, aguardando seu retorno. Pois, afinal, alguns lugares não são apenas parte do nosso caminho; eles são parte de quem somos.


FIM

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Projeto Literário e Musical Primolius Nº 0549






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