*Nº 0548 - O CANTO DAS GAIVOTAS - SÉRIE: CRÔNICAS DE MAYANDEUA

 



Em um lugar onde o mar beija a terra e o céu se funde ao horizonte em um abraço infinito, um homem sem nome chega. Sua silhueta é quase imperceptível contra a vastidão esmeralda das águas, como um traço delicado pintado pela mão do destino. Ele contempla o eterno movimento das ondas, que dançam em ritmos hipnóticos, como se buscassem revelar segredos guardados nas profundezas do tempo. O canto das gaivotas ecoa no ar salgado, entrelaçando-se à melodia suave do vento, enquanto o mundo parece mergulhar em um silêncio sagrado.

No coração desse silêncio, o estranho sonhador escuta algo além do óbvio: a sinfonia universal do mar. Cada onda carrega histórias imperceptíveis, fragmentos de vidas que já foram — saudades de capitães audazes e marinheiros corajosos que navegaram não apenas pelos oceanos, mas também pelos mares do pensamento. As nuvens avançam lentamente no horizonte, testemunhas silenciosas da maré que cresce, trazendo consigo o peso e a leveza da existência.

Na solidão da praia, esse homem sem nome encontra conforto. A areia sob seus pés é mais do que terra; é uma mãe acolhedora, uma pátria primordial que o recebe de braços abertos. Em cada passo que dá, ele busca algo que carrega dentro de si: a verdade de existir, amar, sentir saudade e simplesmente estar . Essas verdades estão entrelaçadas como o nylon em uma rede de pescador, sustentando-o em sua jornada interior. Enquanto o sol desce no horizonte, tingindo o céu e o mar com tons profundos de azul, as gaivotas transformam-se em silhuetas negras recortadas contra o brilho dourado. O homem senta-se à beira da praia, os pés roçando suavemente a espuma das ondas. Ele permite-se sentir a saudade que o preenche, aquela busca incessante que o move, e os pensamentos de infância que, embora perdidos no tempo, ainda pulsam no mar de seu coração. Ele deseja construir castelos na areia, como fazia quando era criança, para depois deixá-los serem levados pelas águas, como metáforas de tudo o que é passageiro. E então, ele simplesmente fica ali, observando o mar, entregue ao momento.

No limite entre o dia e a noite, sob o céu estrelado que começa a revelar suas constelações, o homem sem nome ousa compartilhar sua verdade com o vento. Suas palavras são confidências lançadas ao universo, promessas flutuantes que se perdem no infinito. Não são palavras de remorso, mas de paz. Ele fala de amores perdidos e reencontrados, de sonhos desfeitos e reconstruídos, de esperanças que nunca morreram, mesmo diante das tempestades da vida. E o vento, como um mensageiro fiel, leva suas palavras para longe, para lugares desconhecidos, onde talvez encontrem novos ouvintes.

Nesse instante, o homem percebe que o tempo e suas normas humanas param ali, naquele pedaço de praia onde o mar e o céu se encontram. Ali, não há regras além de uma: navegar. Navegar nas águas serenas ou agitadas, enfrentar o surgimento de novas ilhas no horizonte ou assistir ao desaparecimento das antigas areias sob os sapatos marcados pelas cidades. Navegar, simplesmente. Enquanto a lua ascende no céu, banhando as águas com sua luz prateada, o homem sente uma paz profunda. Ele sabe que, independentemente dos desafios que enfrentará, sempre terá o mar como seu confidente e guia. Ele se levanta, caminha pela praia e deixa pegadas que logo serão apagadas pelas ondas. Mas isso não o perturba, pois a verdadeira jornada está gravada em seu coração.

O amanhecer traz consigo um novo dia, e o homem sem nome está pronto para continuar sua trajetória. Ele olha para o horizonte, onde o sol começa a despontar, trazendo consigo uma renovada determinação. Cada dia é uma nova oportunidade para explorar, descobrir e viver plenamente. O canto das gaivotas retorna, suas vozes misturando-se ao som das ondas em uma sinfonia que ecoa no coração do homem. E assim, no mar e nas ilhas, em seu refúgio de paz, o homem sem nome persiste, olhando para o infinito, cantando... a sua própria vida. As gaivotas, com suas asas livres, tornam-se coralistas e plateia, celebrando sua existência.

Ali, onde a terra encontra o mar e o céu abraça o horizonte, o homem sem nome encontra seu lugar no mundo. No silêncio compartilhado com o universo, ele compreende que, mesmo sem um nome, ele pertence à vastidão eterna. Cada momento é uma nova canção de liberdade, uma melodia que se renova a cada respiração.

— E naquele pedaço de chão... Todos voam.

- Mayandeua!


FIM

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Projeto Literário e Musical Primolius Nº 0548

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