* Nº 0542 - SONHOS DE MARÉ - SÉRIE: CRÔNICAS DE MAYANDEUA

 


Na beira da água salgada, onde o horizonte se funde com os sonhos, crescem os meninos de maré. Ali, entre o cheiro do peixe fresco e o ritmo da maré, a vida pulsa com simplicidade e intensidade. Seus pés descalços percorrem o terreno úmido, firmando raízes em um quintal sem cercas, onde a terra se dissolve em água e a infância se dissolve em eternidade.  

Brincam com o verbo “peixe”, pequenos mestres do mangue, ágeis como cardumes fugindo de predadores invisíveis. Cada dia traz novas aventuras, entre currais de pesca e raízes entrelaçadas, onde suas mãos curiosas aprendem cedo a ler os sinais da natureza. O mangue é sala de aula, palco e abrigo; é ali que eles encontram a essência da vida, escrita na lama, nas conchas, no voo rasante das aves.  

Mas o tempo, sempre insistente, se encarrega de transformar os sonhos desses meninos e meninas . Aos poucos, os olhos antes fascinados pela simplicidade da maré começam a mirar outros horizontes. As promessas da cidade – os brinquedos coloridos, as luzes brilhantes, o desconhecido – tentam seduzir esses corações de água e sal. Alguns partem, carregando a coragem aprendida com as ondas. Outros permanecem, enraizados no abraço eterno da maré.  

Os que ficam tornam-se homens e mulheres, e a maré se torna mais que um cenário de infância: vira confidente, amiga e guardiã de segredos. Com o passar dos anos, suas mãos calejadas manejam redes e remos com a mesma habilidade com que antes lançavam bolas improvisadas no ar. Enfrentam tempestades e marés altas, aprendendo com cada onda a lição de persistir e navegar.  

Nas noites de céu estrelado, mesmo os que partiram sentem o chamado do mar. Fecham os olhos e escutam, ao longe, o som das águas que embalaram seus primeiros sonhos. A maré nunca se vai completamente; ela permanece nas memórias, no ritmo da vida, no pulso que nunca esquece sua origem.  

A cidade pode crescer, o mundo pode mudar, mas os meninos e meninas de maré sempre carregarão em suas veias o pulsar das águas. Eles aprenderam que a vida, assim como a maré, é feita de ciclos – cheia e vazante, calma e revolta, mas sempre em movimento.  E mesmo quando a vida ensina com dureza, quando as ondas parecem grandes demais, esses filhos do mar nunca deixam de sonhar. Porque sabem que a maré, eterna e paciente, sempre os acolherá. No fim, eles entendem que os maiores tesouros não estão nas promessas da cidade, mas na simplicidade de um dia vivido ao ritmo da água.  

Os meninos e meninas de maré são como o oceano: vastos, profundos, cheios de segredos e histórias. E enquanto houver mar, suas histórias continuarão a navegar, brilhando como estrelas refletidas na superfície tranquila da água de suas vidas. 


Crianças de Camboinha!


FIM

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Projeto Literário e Musical Primolius Nº 0542


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