* Nº 0463 - OS SEGREDOS DO " PÉ DE BACURI" - SÉRIE: CONTOS FANTÁSTICOS DE MAYANDEUA


Na vasta e misteriosa Ilha de Mayandeua, onde  as marés dançam conforme os caprichos da lua, histórias de seres encantados atravessam gerações. Na tranquila Vila de Camboinha, um desses mistérios se esconde em uma pequena iguana chamada "Pé de Bacuri", um animal curioso e devoto, que nutre uma relação profunda com a lua. Naquela ilha, dizia-se que os ciclos lunares eram mais do que simples fenômenos naturais; eles guardavam o poder de transformar e revelar verdades ocultas para aqueles dispostos a ouvir os sussurros do vento.

Todas as noites, "Pé de Bacuri" subia até um ponto alto no manguezal para contemplar a lua, sempre com o mesmo desejo: tornar-se humana por um dia. Não era a curiosidade comum que guiava a pequena iguana, mas uma necessidade de compreender a alma humana e desvendar os mistérios que a lua parecia sussurrar nas águas da ilha. Para "Pé de Bacuri", os homens da ilha escondiam segredos tão profundos quanto os das águas, e ela sonhava em decifrá-los.

Em uma noite de lua cheia, quando o vento melodiava antigos tambores do carimbó o desejo da iguana foi atendido. Subitamente, sob a luz prateada da lua, "Pé de Bacuri" transformou-se em uma jovem mulher. Estupefata com sua nova forma, ela observava suas mãos humanas, sentia o pulsar do sangue em suas veias e, pela primeira vez, compreendia a complexidade das emoções e do pensamento humano. Sua aventura estava apenas começando.

Ao caminhar pelas vilas da ilha, "Pé de Bacuri" percebeu a beleza e os desafios da vida humana. Viu a devoção dos pescadores, que arriscavam suas vidas nas águas revoltas, e conheceu mulheres que traziam histórias de coragem em suas canções de carimbó. Compreendeu que a vida humana estava intrinsecamente ligada às marés, à terra e ao vento, muito mais do que imaginava em sua forma de iguana. No entanto, ao cair da noite, um vazio crescia em seu coração. Ela sentia uma saudade profunda de sua vida no mangue, do silêncio e da simplicidade que encontrava entre as raízes e os troncos submersos.

Quando a lua novamente surgiu no horizonte, "Pé de Bacuri" voltou a ser iguana. Mas algo em seu espírito havia mudado. Ela agora carregava consigo não apenas a experiência de ter sido humana, mas também um pressentimento inquietante, como se sua transformação fosse apenas o primeiro passo de uma jornada maior. Nas noites seguintes, ela começou a ter sonhos enigmáticos, repletos de símbolos que se desdobravam em formas e músicas desconhecidas. As canções de carimbó, que antes apenas ouviam nas festas da vila, agora pareciam ressoar dentro dela, como se carregassem um código oculto.

Determinada a entender o significado desses sonhos, "Pé de Bacuri" decidiu buscar respostas além de sua própria experiência. Viajou para as vilas vizinhas de Fortalezinha, Mocooca e Algodoal, onde sábios e criaturas antigas, como iguanas centenárias e garças que haviam visto os primórdios da ilha, transmitiram-lhe fragmentos de sabedoria. Foi então que ela soube da existência de uma caverna secreta, oculta nas dunas de Mayandeua, onde antigos conhecimentos estavam gravados nas paredes em forma de cantos ancestrais.

Dentro da caverna, "Pé de Bacuri" encontrou inscrições enigmáticas que contavam histórias de seres transformados, escolhidos pela lua para desempenharem papéis importantes na proteção da ilha. A narrativa falava de uma criatura do manguezal que seria agraciada com o poder de decifrar os mistérios da natureza e garantir a harmonia entre as vilas e os elementos. As inscrições não deixavam claro quem seria essa criatura, mas "Pé de Bacuri" sentiu uma estranha conexão com as palavras.

Com cada lua cheia, ela retornava à caverna, estudando os versos antigos e meditando sobre os mistérios que a cercavam. Aos poucos, as canções de carimbó começaram a fazer sentido. Não eram apenas melodias festivas; elas eram uma forma de preservar e transmitir o conhecimento ancestral da ilha. Eram mensagens codificadas, passadas no decorrer do tempo por muitos, sobre o equilíbrio entre o homem, a natureza e os ciclos da lua. Os moradores das vilas também começaram a perceber a mudança no ar. Os tambores de carimbó, que antes apenas marcavam as celebrações, agora soavam como um chamado, uma advertência de que algo extraordinário estava por acontecer. E, em meio a isso, "Pé de Bacuri", agora uma figura quase mítica, tornou-se um símbolo da conexão profunda entre o manguezal e os mistérios lunares.

A jornada de "Pé de Bacuri" continuava, e a cada noite de lua cheia, novos fragmentos do enigma se revelavam. O que parecia ser apenas uma aventura para desvendar segredos humanos agora se tornava uma missão sagrada para preservar o equilíbrio da ilha de Mayandeua. "Pé de Bacuri" sabia que, quando o último verso da canção fosse decifrado, o destino da ilha mudaria para sempre. Mas até lá, ela continuaria ouvindo os sussurros do vento e as batidas dos tambores, guiada pela luz prateada da lua e pelos segredos antigos que ela agora entendia ser seu dever proteger.

E assim, sob o ritmo envolvente do carimbó, o mistério da ilha perpetuava-se, e "Pé de Bacuri" seguia sua busca incessante, sabendo que seu destino e o da ilha estavam entrelaçados para sempre.


- Ouçam os curimbós nas dunas!


FIM


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Projeto Literário e Musical Primolius Nº 0463 


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