* Nº 0475 - O OLHAR DO JACURARÚ - SÉRIE: CONTO FANTÁSTICO DE MAYANDEUA

 



Seu Tonoalto era um homem simples, um morador da tranquila ilha de Mayandeua.  A vida na ilha era pacífica e cheia de histórias que ecoavam entre as palmeiras e o suave sussurro das águas. Entre essas histórias, uma lenda se destacava, uma lenda que ele conhecia desde sua infância: a lenda do Jacurarú. O lagarto era uma figura mítica, parte humano e parte jacaré, que povoava os sonhos e conversas dos habitantes de Mayandeua. O senhor de meia idade, como todos os outros na ilha, cresceu ouvindo histórias sobre os poderes do bicho. Dizia-se que esse ser lendário tinha o dom da metamorfose, podendo se transformar de humano para jacaré e vice-versa. No entanto, o poder mais temido do Jacurarú estava em seu olhar. Certa manhã, enquanto o cidadão se dirigia ao furo para pescar, uma sombra caiu sobre ele. Olhando para o alto, ele se deparou com uma criatura majestosa e aterrorizante ao mesmo tempo: um bicho desse. Os olhos do ser lendário encontraram os de seu Tonoalto, e, em um instante, algo extraordinário aconteceu. A sombra do homem começou a se dissipar, como fumaça ao vento. 

Em pânico, o cidadão tentou fugir, mas percebeu que algo estava terrivelmente errado. Sua sombra, símbolo de sua existência, começava a desaparecer diante de seus olhos. Desesperado, ele correu para casa, onde sua família o aguardava. Lá, sua esposa, filhos e netos observavam horrorizados enquanto sua sombra se tornava cada vez mais fraca. Os anciãos da ilha foram chamados, e eles reconheceram imediatamente o que tinha acontecido. Tonoalto havia sido olhado pelo bicho, e agora ele estava perdendo sua sombra, sua própria essência. Era uma enfermidade temida, uma maldição que afetava não apenas o corpo, mas também a alma. Desesperada, a família  recorreu a um sábio local que conhecia os segredos da mata e as antigas práticas de cura. O  curandeiro realizou rituais e cerimônias, usando ervas e orações ancestrais para tentar restaurar a sombra de seu Tonoalto. Dias se passaram, e a luta pela sombra do homem continuou. 

Finalmente, em uma noite de ventania, durante uma cerimônia especial à beira das pedras do manguezal, algo extraordinário aconteceu. A sombra do vivente começou a retornar lentamente, como um espectro nascendo das profundezas da escuridão. Através da poronga nas mãos do sábio curandeiro a sombra aos poucos surgia do cidadão. À medida que a sombra se fortalecia, um sentimento de alívio e esperança se espalhou entre a família do amado senhor. 

Seu Tonoalto se recuperou, mas a experiência deixou uma marca profunda em sua vida. Ele se tornou um guardião das histórias do Jacurarú, um defensor das tradições de Mayandeua. Suas palavras, contadas à luz da fogueira, ecoavam como um aviso para todos na ilha: respeitem os poderes da natureza e as criaturas míticas que habitam esta  ilha, pois, até mesmo a sua sombra pode ser perdida. 

E assim Primolius narrou mais esta história nos arredores de Camboinha.


FIM


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Projeto Literário e Musical Primolius Nº 0475



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