* Nº 0314 - ENCOMENDA PERFUMADA - SÉRIE: CONTOS FANTÁSTICOS DE MAYANDEUA

 


Há muito tempo no pitoresco porto do Mamed, na encantadora ilha de Algodoal, uma mulher aguardava ansiosamente a chegada de uma encomenda especial. Era uma caixa repleta de perfumes raros, vindos de terras distantes, destinada a adornar sua vaidade e preencher seus dias com essências exóticas. A brisa suave soprava enquanto ela observava, com olhos atentos, a embarcação se aproximar do trapiche desgastado pelo tempo.

A cena era tranquila, mas o destino, como sempre, reservava surpresas. No exato momento do desembarque, quando o entregador se preparava para entregar a caixa à mulher, um movimento desajeitado fez com que a preciosa carga escapasse de suas mãos. O som da encomenda batendo contra as tábuas molhadas do trapiche ecoou brevemente, mas logo foi abafado pelo impacto suave da água, que pareceu envolvê-la em um abraço líquido. Diante do incidente, o capitão, demonstrando agilidade e determinação, saltou no mar cintilante em uma tentativa desesperada de recuperar o objeto perdido. Contudo, as ondas, como se fossem brincalhonas e dotadas de vontade própria, conspiraram contra ele. Movendo-se em direções imprevisíveis, elas levaram a caixa cada vez mais para longe, até que ela finalmente desapareceu sob a superfície cristalina, engolida pelas profundezas.

A mulher ficou paralisada, seu rosto uma mistura de tristeza, frustração e incredulidade. Seu marido, percebendo imediatamente a gravidade da situação, aproximou-se dela com preocupação. Ele sabia que aquela caixa não era apenas um objeto material; representava algo maior, talvez memórias, sonhos ou até mesmo um desejo profundo de beleza e conforto em meio à simplicidade da vida insular.

Os tripulantes que testemunharam o triste episódio reuniram-se em silêncio, trocando olhares pesarosos. Eles compreendiam que não era apenas uma caixa de perfumes que havia afundado, mas também a alegria da mulher e, de certa forma, um pedaço de esperança. Determinados a corrigir o erro e amenizar a dor, eles organizaram uma vaquinha entre si, juntando dinheiro suficiente para compensar o prejuízo. Cada moeda depositada era um gesto de solidariedade, uma prova de que, mesmo nas pequenas tragédias cotidianas, o coração humano pode encontrar maneiras de reconectar e reparar.

Com o dinheiro em mãos, o homem aproximou-se da mulher, um sorriso tímido no rosto. Ele explicou o que os tripulantes haviam feito, oferecendo-lhe o valor necessário para recompensar a perda. Ela olhou para ele, seus olhos marejados não apenas pelo gesto generoso, mas pela profundidade do cuidado e do amor que cercavam seu mundo. Naquele instante, a mulher percebeu que as coisas materiais podiam desvanecer com as marés, mas a solidariedade e o afeto daqueles ao seu redor eram tesouros que nunca seriam perdidos.

Mas a história não termina ali. Dizem os antigos moradores do porto que, naquela mesma noite, algo extraordinário aconteceu. Quando a lua cheia pintava o mar de prata, os pescadores que ainda estavam nas águas próximas ao trapiche viram luzes estranhas dançando sob as ondas. Pareciam vagalumes subaquáticos, mas com uma intensidade que transcendia o natural. As luzes formavam padrões intrincados, como se contassem uma história invisível aos olhos humanos.

Alguns afirmam que ouviram cânticos suaves ecoando pelas águas, como vozes de sereias entoando canções. Outros juram ter visto formas esguias emergirem brevemente da superfície, vestidas em roupagens que pareciam tecidas de algas e pérolas. Essas figuras misteriosas carregavam algo consigo — uma caixa que reluzia como se fosse feita de estrelas capturadas.

Os mais velhos do porto dizem que a Princesa dos Encantados, guardiã das águas da ilha, interveio naquela noite. Ela e seus seguidores teriam resgatado a caixa de perfumes, não por mero acaso, mas porque sentiram a energia emocional que emanava dela. Para eles, os perfumes eram mais do que fragrâncias; eram portais para memórias e sentimentos humanos, algo que os espíritos aquáticos valorizavam profundamente.

Desde então, os habitantes do porto começaram a notar mudanças sutis. Certas noites, quando o vento soprava do mar, era possível sentir traços de aromas desconhecidos, como se os perfumes perdidos estivessem sendo devolvidos em forma de brisa. Alguns dizem que quem respira essas essências é abençoado com sonhos vívidos e reveladores, onde segredos do passado e vislumbres do futuro se entrelaçam.

Outros relatam que, em noites de tempestade, é possível ver o reflexo de uma figura feminina caminhando pelo trapiche, segurando algo que brilha suavemente. Ela parece observar o horizonte, como se esperasse alguém ou algo. Ninguém sabe ao certo quem ela é, mas muitos acreditam que seja a própria mulher que perdeu os perfumes, agora transformada em um espírito protetor do porto, eternamente conectada à magia daquela noite.

Assim, naquele pequeno porto de Algodoal, entre o vaivém das águas e os murmúrios das lendas locais, uma simples caixa de perfumes se transformou em muito mais do que um objeto perdido. Ela se tornou um símbolo da força das relações humanas, da generosidade inesperada e do mistério que permeia o mundo invisível ao nosso redor. Para os que trabalham no  porto, a história serve como um lembrete de que, mesmo quando algo se perde nas profundezas, ele pode ser transformado em algo maior — uma lenda, uma lição ou, quem sabe, um presente para os próprios Encantados.

E assim, a ilha continua a guardar seus segredos, deixando que cada geração descubra novas camadas de significado nas histórias que o mar insiste em contar.

- E assim foi!


FIM

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